A Melancia das Delícias

A Melancia das Delícias
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)




Sêneca dizia que “não há riqueza mais certa do que um coração generoso”. E de todas as verdades que a vida me revelou, essa talvez seja a mais luminosa. O bem, quando genuíno, não precisa de grandiosidade nem de alarde. Basta-lhe um gesto, um suspiro, um pedaço de melancia.

       Acordei naquela manhã de verão sem promessas de encantamento. O sol, como sempre, fazia seu caminho, a rotina me aguardava com a previsibilidade de sempre, e nada, absolutamente nada, anunciava que eu seria testemunha — e participante — de um pequeno milagre.

       Foi então que, à porta do escritório, minha estrada se cruzou com a de vó Maria. Baixinha, olhos profundos, o tempo dobrado sobre seus ombros como se cada curva contasse uma história.

       — Doutor, tem uns trocados? — perguntou com uma simplicidade que não implorava, mas confiava.

       Revirei o bolso e encontrei uma nota de cinco reais. Entreguei-a sem palavras, como se não precisássemos de mais nada. Ela sorriu, ajeitou a barra do vestido e, como quem desvenda um segredo, me explicou, sem que eu perguntasse: juntava uns trocados para comprar uma melancia.

       — É para o Carlinhos. O neto. Doente, tadinho... Mas pede melancia todo dia.

       Fechei os olhos por um instante e imaginei o menino: frágil como uma flor no inverno, estirado entre lençóis pálidos, desejando algo tão simples. O paladar de uma infância que não se rende, que se recusa a sucumbir à dor.

       Cinco reais não eram suficientes para sequer metade da fruta. Mas é para isso que serve a vida: para ensinar-nos a completar o que falta. Convidei vó Maria a me acompanhar até o supermercado. Escolhemos juntas a melancia mais bonita, vermelha como o desejo de quem sonha, suculenta como a esperança de quem não desiste.

       — Essa dá conta — ela disse, abraçando a melancia como se estivesse segurando o próprio destino.

       Paguei a fruta no caixa, e ela partiu, levando consigo o fruto como um presente dos céus.

       Fiquei ali, parado, respirando fundo. Meu dia já estava ganho. O que antes era uma rotina previsível se transformara em algo imenso. Me vi sorrindo sozinho, imaginando Carlinhos saboreando cada pedaço da melancia, o sumo doce escorrendo pelo queixo, a felicidade simples de quem tem um desejo atendido.

       O pouco que se faz se torna imenso. A fartura onde parecia haver escassez.

       Que Deus permita ao menino chupar melancia por muitos anos, até que a saúde lhe devolva a infância, com todas as alegrias que ela carrega.

       E que nós, navegantes distraídos deste tempo apressado, jamais nos esqueçamos: o que fazemos agora se estende pela eternidade. Talvez o mundo padeça não da falta de grandes feitos, mas da ausência de pequenas delicadezas.

       Pois onde há um gesto de bondade, há também um rastro de luz. E talvez seja apenas disso que a humanidade precise para reencontrar o seu caminho.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista

luizgfnegrinho@gmail.com