Cenas de casamento
— Meus irmãos em Cristo, a paz esteja convosco! Estamos aqui, na casa de Deus, para celebrar a feliz união entre Eduardo e Sabrina! — disse padre Camilo com o semblante solene e a típica voz empostada que usava para dar início aos momentos importantes junto a seus fiéis.
Padre Camilo adorava celebrar casamentos. Era sua cerimônia preferida entre as muitas de seu sacerdócio, embora a achasse um pouco tensa em certos momentos. Afinal, casamentos eram sempre um risco. Esperava-se que tudo desse certo, tanto o ritual da cerimônia, quanto a vida matrimonial, no entanto, quem poderia saber? Da parte dele, “era apenas o celebrante e um mero representante de Deus na Terra para selar o compromisso entre as duas criaturas corajosas”. Dizia isso sempre dando boas risadas e completava a piada dizendo: “o mínimo que se pode esperar de um casório é sempre uma boa festa, não é mesmo? ”. Com sua habitual franqueza, acabava por horrorizar e divertir seus fiéis, tudo na mesma proporção.
A celebração transcorria como deveria. Música bonita e envolvente, todos os participantes bem arrumados e aparentemente alegres. Vibrava no ar a ansiedade natural atribuída a essas ocasiões, porém, padre Camilo podia sentir uma certa tensão a mais no ar. Talvez, devido ao calor escaldante de fevereiro, embora a igreja fosse bem ventilada. Havia ministrado a confissão aos noivos uma semana antes: tudo certo entre eles. Todos os proclames do casamento haviam corrido normalmente. Entretanto, mesmo estando seguro quanto aos imperativos formais que a ocasião exigia, o padre sabia que poderia esperar alguma novidade desagradável. Era sensível às emoções humanas, então, inevitavelmente experimentava um certo pressentimento. Num gesto instintivo de abanar o calor, tentou afastar a cisma e continuou a celebração, dizendo, após a troca das alianças:
— Muito bem, meus irmãos, votos matrimoniais não são exatamente uma tradição aqui na nossa querida cidade de Formiga, no entanto, Eduardo e Sabrina vão, neste momento, dizer seus votos, suas promessas de amor. Vamos apoiá-los e, junto a eles, experimentar essa emoção...
Embora não seja usual nas cerimônias brasileiras a troca de votos, o casal havia pedido a padre Camilo a concessão desse momento ímpar. Ele concordou, dizendo:
— Ora, ora, por que não?? Tratemos de avalizar essa paixão!
Um noivo tímido e visivelmente emocionado, tirou do bolso do terno um papel e leu seus votos melados de romantismo. Prometeu amor eterno e muito mais.
Então, foi a vez da noiva. Estava deslumbrante num vestido muito alvo, com um decote bastante generoso, fato que não passou despercebido ao padre Camilo. Ao observar distraidamente o detalhe, pensava ele em como incluir nos seus sermões dos domingos, algo como, “queridas noivas, guardem seus fartos seios apenas dentro dos vestidos” etc, quando foi interrompido pelo discurso espontâneo, sem qualquer papel, em alto e bom tom, da noiva. Ela dizia olhando firme nos olhos do seu agora, marido:
— Eduardo, meu amor, eu te amo mais do que eu amo a mim. Vou te mostrar isso a cada dia das nossas vidas, não importa o tempo, a temperatura, a situação ou a dificuldade. Sei que você me ama e eu acredito piamente nas palavras que escreveu nos seus votos. Mas eu sei que a sua mãe não gosta de mim, aliás, me detesta, porque não concordo com as críticas ácidas que ela me faz e nem aceito que ela mande em mim ou controle minha vida. Inclusive, ela já até conversou com meu psiquiatra para que ele me declare louca. Já seu pai, até gosta de mim, mas como ele é meio frouxo, é obrigado a concordar com ela. Sei também que a sua avó me acha depravada, indecente e muito independente. Estou ciente de que a sua irmã infeliz pensa que eu só quero o seu dinheiro; e que as suas primas insossas me detestam, considerando-me interesseira por pura inveja. Mas nada disso importa, meu amor... estou me casando com você, não é com elas. Confie sempre em mim e, aconteça o que acontecer, não duvide nunca do meu amor por você.
Silêncio total na igreja. Não se ouvia uma mosca voando. Vivos e mortos, todos paralisados.
Padre Camilo, apesar de estupefato diante da cena que acabara de testemunhar, teve vontade de abraçar e beijar a noiva. “Que autenticidade! Essa é das minhas! ”, pensou ele. Queria dizer algumas palavras de apoio, mas só foi capaz de proferir o trivial, depois de limpar bem a garganta e empostar de novo a voz:
— De acordo com a vontade que ambos afirmam perante mim, eu, em nome de Deus, os declaro marido e mulher! Enfim... casados! Eduardo... pode beijar a noiva!

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