Dodora - 2ª parte

Ana Pamplona (de Formiga)

Dodora - 2ª parte
(*) leia a 1ª parte deste conto publicada na Edição número 6.608, de 27/05/25 de O Pergaminho




Naquele domingo, cansada de zanzar com seu carrinho quase vazio por entre as prateleiras abarrotadas de produtos que ela não precisava, Dodora dobrou uma esquina de forma tão abrupta, que atropelou alguém. Foi rápido e todos ouviram o barulho de garrafas quebrando.

Depois de se recuperar do susto, ela levantou a cabeça e viu a pessoa que foi sua vítima. Um senhor, talvez da sua idade, ou menos (talvez muito menos), grisalho, corpulento e alto, com um largo sorriso sem bigodes estampado no rosto. E muito charmoso.

— Ah que vergonha, moço! Desculpe-me, por caridade! Virei o carrinho de repente, sem olhar e lhe atropelei — disse Dodora completamente desconcertada e já tentando se agachar numa tentativa de arrumar a bagunça que tinha feito.

O homem agachou também e a impediu, dizendo:

— Oh não, por favor, nada disso, não se incomode, vou chamar alguém que trabalha aqui no supermercado para limpar. E você? Não se machucou?

Ela achou um mimo aquele homem chama-la de “você”. Respondeu que não, que estava bem, que a tragédia teria sido somente com ele, haja visto as garrafas de cerveja espatifadas no chão, a roupa molhada e os joelhos machucados pelo impacto do carrinho neles.

Ela pediu mais desculpas, ele disse que não havia nada a desculpar, enquanto um funcionário limpava toda a bagunça. Terminado o incidente, eles se despediram e Dodora não conseguiu terminar as compras. Estava perturbada. Deixou o carrinho em algum lugar e dirigiu-se ao estacionamento para ir embora. Quando entrou no carro, avistou sua “vítima” também entrando num carro. Estava sozinho. “Bom sinal”, pensou ela. Imediatamente retrucou para si: Bom sinal por que, Dodora? — e deu risadas. Na verdade, ela havia gostado daquele homem. Que gentil! Tão seguro, tão cavalheiro, másculo... e até bonito. Atendia os critérios que ela havia elencado no site dos namoros. Mas que pena que ele não se candidatou! Que vida bandida...

Dodora interrompeu os pensamentos com o barulho da partida do carro do sujeito. De súbito, ela tomou a decisão e ligou seu carro também, decidida a segui-lo. Não sabia ainda para que, só sabia que iria segui-lo. E assim fez. Tentou acompanhar o ritmo dele, sem, contudo, deixar-se ver. Seria constrangedor se ele percebesse que ela o seguia. O homem foi dirigindo pela cidade e a incauta perseguidora, sempre atrás dele. 

Vai daqui, vai dali, até que chegaram num bairro chique da cidade. Daí alguns minutos e ela viu seu alvo entrar com o carro na garagem de uma casa espetacular. Moderna, ampla, cores sóbrias. Dodora parou um pouco à frente olhando pelos retrovisores a fim de não perder nenhum detalhe. “Que casa linda! ”, pensou, “será casado? Só pode! Quanto bom gosto! ” Talvez tenha perdido tempo atrás de nada. 

Quando já ia dar partida no carro para ir embora, ouviu uma batida na porta: era ele fazendo sinal para que ela abrisse o vidro. Ela ficou sem saber o que fazer.

— Olá! Encontramos de novo! Mora por aqui? — ele perguntou com um sorriso, parecendo divertir-se com a situação inusitada. Ela ficou paralisada. O que responder?

— Ah, sim... não... quer dizer... tenho uma amiga que mora neste bairro, que coincidência, não? Parei um pouco para admirar sua casa, muito bonita!

— Que bom que gostou, muito obrigado! Por que não aproveita para descer e entrar um pouco? Meu marido está cozinhando um Tagliatelle al Ragù, venha almoçar conosco. Como é seu nome?

“Marido?? Então o homem é gay... que mico, como dizem minhas filhas...”. Se ela já estava paralisada antes, naquele momento não conseguia nem avaliar a situação ridícula em que se encontrava. Apaixona-se platônica e subitamente num corredor de supermercado por um homem, resolve segui-lo como uma louca e descobre que ele é gay. E ela nem havia notado?

Dodora respirou fundo. Como era possível aquilo? É muito irônica essa vida... Depois de comer o pão que o diabo amassou num casamento frustrante, depois de enviuvar e descobrir que o safado do seu marido tinha outra família, ela resolve arrumar um namorado. E depois de muito procurar sem resultado, alguém que lhe agradasse, Auxiliadora Modesto de Faria (de preferência, sem o “Faria”) encontra a pessoa certa, porém, um gay! E ainda por cima naquela situação vexatória. Ela ficou pensando se Deus estava se divertindo com aquilo...

Dodora levou um tempo para responder, enquanto o moço aguardava pacientemente. Afinal, disse:

 — Quanta gentileza... como é seu nome?

—  Adão... e o seu? — respondeu ele.

— Auxiliadora... ou melhor, Dodora. — disse ela — Vamos sim, Adão. Será um prazer almoçar com você e seu marido...??

— Javier... — respondeu ele.

E foi assim que Adão, Dodora e Javier tornaram-se grandes amigos...