Opinião: ‘Ecos da floresta’

Raimundo de Paula Andrade (de Formiga)

Opinião: ‘Ecos da floresta’
Raimundo Andrade é médico cardiologista e membro da Academia Formiguense de Letras




O vento cortava entre as copas das árvores como sussurros antigos. Helena e Miguel, mãos entrelaçadas, caminhavam pela trilha estreita da floresta, guiados apenas pela esperança de encontrar o caminho de volta. Haviam se perdido horas antes, quando o mapa caiu em um riacho e a bateria do celular morreu. O sol já se escondia, e a noite, como um animal faminto, se aproximava.

No início, o medo era compartilhado — risos nervosos, planos improvisados, promessas de que tudo ficaria bem. Mas conforme o tempo passava e a escuridão engolia o mundo ao redor, algo mudou. O silêncio entre eles cresceu. O frio não vinha só da temperatura.

Uma tempestade irrompeu sem aviso. Galhos quebravam, trovões rasgavam o céu, e os dois correram para se abrigar. Foi quando o acidente aconteceu. Um tronco, velho e pesado, caiu com um estalo seco, separando-os. Miguel gritou o nome de Helena, mas sua voz foi engolida pela chuva. Quando conseguiu alcançá-la, ela estava imóvel, presa sob a madeira, o sangue escorrendo de sua cabeça.

Ela ainda respirava, mas seus olhos fixos e paralisados denunciavam a presença da morte

Miguel ficou ali, ajoelhado, segurando a mão dela até que o calor se esvaísse. A floresta se calou de novo. Sozinho, ele caminhou por horas, guiado por uma mistura de instinto e desespero, até ser encontrado por um grupo de busca ao amanhecer.

Meses se passaram desde aquele dia, mas para Miguel, o tempo parou na floresta. Carrega Helena nas memórias, nas palavras não ditas, nos sonhos que se repetem. Vendeu o apartamento, largou o emprego. Agora vive perto das montanhas, dedicando os dias a trilhas, resgates e histórias de pessoas desaparecidas. Dizem que tenta salvar nos outros o que não conseguiu salvar nela.

Na sombra das árvores, onde tudo começou, ele ainda a procura — não com os olhos, mas com o coração.