Florduarda
(*continuação da edição nº 6.695 de 30 de setembro)
A princípio ela não reconheceu a voz. Estava com a cabeça levantada para o céu, olhos fechados, apenas sentindo no rosto as carícias do vento, e assim permaneceu. Mas quando a voz repetiu o chamamento, ela assustou-se deixando a vassoura cair. E pôde ver, por entre os vidros do carro, o perfil de sua irmã mais velha, Crisduarda.
— Crisduarda?!? — gritou a garota arregalando os olhos e aproximando-se do carro — ao que a irmã respondeu sorrindo e já saindo do veículo com os braços abertos:
— Em pessoa! Não estava me reconhecendo? — sua irmã abraçou-a espalhafatosamente e Florduarda retribuiu emocionada.
Crisduarda estava mudada! Havia envelhecido um pouco, aparentava cansaço e maturidade, mas estava bonita e vistosa. Usava maquiagem pesada, trajava um vestido curto com decote generoso, sandálias de salto alto, casaco bem talhado por cima. O perfume rescendia com a ventania.
Desde que Florduarda cogitava mudar de vida, embora sabendo que o melhor para ela seria um bom casamento, começou a procurar pelos cinco irmãos sumidos pelo mundo: Domício, Inêsduarda, Donizete, Crisduarda e Donaldo. Até onde sabia, todos moravam muito longe dela e nenhum estava bem de vida. Por isso, ela tinha dúvidas quanto a algum deles poder ajudá-la a tocar a vida sem D. Teínha. Ainda assim, encheu-se de esperança e escreveu para os irmãos pedindo apoio. Explicou a situação detalhadamente. Todos responderam em menos ou mais tempo. Domício, o mais velho, estava no sertão da Bahia trabalhando em fazenda de gado, era casado, tinha três filhos pequenos, a sogra morava com ele e viviam em situação precária. Este declarou na carta não ter a mínima condição de recebê-la no casebre alugado, nem fornecer qualquer ajuda. Inêsduarda morava com um tio viúvo deles e fazia as vezes de empregada, recebendo um salário irrisório. Também estava fora de cogitação apoiá-la. Donaldo e Donizete eram caminhoneiros no estado do Mato Grosso, não tinham situação estável, aliás, muito longe disso. O primeiro, o caçula, não era casado, mas já tinha um filho pequeno, que sustentava com dificuldade. Inclusive, já havia sido preso por não pagar a pensão alimentícia. O segundo, Donizete, mal sabia escrever. Havia pedido uma vizinha para responder, dizendo que estava parado com a carreta, por estar em tratamento de tuberculose, ou seja, também passava por situação difícil. Era do conhecimento de Florduarda, que ambos eram alcóolatras, fato que a entristecia muito. A resposta mais demorada veio da parte de Crisduarda, a irmã acima dela, que morava em Fortaleza, porém, era positiva. Na carta, dizia que estava muito bem de vida, que não se preocupasse, assim que pudesse iria buscá-la para morar e trabalhar com ela. Era empresária. Avisaria quando chegasse a hora. Florduarda mal acreditou naquelas palavras! Quanta generosidade! Leu a carta com lágrimas de alegria descendo pelo rosto. Finalmente, Deus estava olhando por ela! Finalmente poderia contar com alguém da família que pudesse apoiá-la. Daí a alguns dias recebeu um telefonema da irmã, dizendo para deixar as malas arrumadas, pois estava próximo o dia em que iria buscá-la, entretanto, não havia como firmar uma data. A garota assim o fez: organizou algumas poucas roupas e pertences numa bolsa que ganhara no bazar da igreja e a escondera das pessoas da casa, a fim de não levantar suspeitas. Quando já estava perdendo as esperanças, Crisduarda aparece repentinamente chamando seu nome.
As irmãs conversavam animadas, ainda na porta da casa: Florduarda, como você virou essa morena linda e vistosa?, quanta saudade!, tem alguma notícia de nossos irmãos?, como foi parar em Fortaleza?, o mar é bonito?, você vai trabalhar comigo, vai ganhar muito dinheiro!, esqueci quantos anos você tem!, gosta de cuscuz?, seu sotaque está bonito!, vamos entrar e pegar sua bagagem...
Neste ponto, Florduarda sentiu um frio na barriga. Uma pontada de ansiedade entremeada com dúvida. Apesar de desejar ardentemente ir embora, tinha um pouco de insegurança em deixar a casa de D. Teínha. Jamais havia viajado. Não sabia como era desvincular de algo tão arraigado. A mocinha sonhadora e ingênua não imaginava como era o mundo lá fora. Havia pedido tanto pela intervenção divina, e quando ela chegou, estava insegura. Crisduarda notou a dificuldade da irmã:
— Que foi, Florzinha? Está com medo da Dorotéia? Com medo de ir embora comigo? Você conversou com ela sobre isso?
— Não, mana, não conversei. Não quis criar dificuldade antes do tempo. Estou sim, um pouco insegura — a moça respondeu emocionada — mas vai passar. Vamos entrar!
— Pois anime-se, Florduarda! A partir de hoje sua vida vai mudar! Começa com você viajando num avião!
Florduarda arregalou mais os olhos! Não estava acreditando que isso ia acontecer com ela! Jamais havia viajado, nem de carroça, nem de carro, e na primeira vez, já iria voar! Quanta sorte!! Entraram na casa da madrinha da moça. Estava apenas Aírton Júnior, o caçula de D. Teínha. Por sorte, estava fechado no quarto. Florduarda pegou sua bagagem, acrescentou alguns itens. Deixou um bilhete de despedida sobre a mesa do telefone, com parcas explicações, justificando sua saída da casa da madrinha.
— Não se preocupe em dar muitas explicações, Flor. Essa megera não merece.
Pois foram embora. Muito animadas, tudo era novidade para Florduarda. Já dentro do avião, um pouco antes da decolagem, a garota lembrou-se das palavras da irmã: “você vai trabalhar comigo, vai ganhar muito dinheiro”. Então, perguntou-lhe:
— Mana, onde é mesmo que você trabalha?
— Sou dona de cabaré, minha flor! O famoso “RED LIGTH” de Fortaleza!
Naquele momento, Florduarda lembrou-se de ter esquecido a vassoura de fora da casa...

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