O gosto da saudade -II (*)
Há lembranças que chegam de mansinho, como cheiro de bolo saindo do forno, misturado ao café passado na hora e a um restinho de conversa boa no quintal. Outras não – entram porta adentro feito vento bravo em tarde quieta, embaralham retratos, desarrumam os cheiros antigos da memória. Essa, de hoje, veio assim: sem convite, sem cerimônia. E ficou.
Lembrei de você, assim do nada. Ou talvez por tudo. Um riso solto que ouvi na rua, uma música antiga tocando no rádio, o tilintar da xícara batendo no pires… e pronto: lá veio você, inteira na lembrança. Com seu jeito moleque de dobrar a vida nos cantos, sua voz rindo mais alto que as palavras e aquele olhar de quem entende até o que a gente não diz.
Você tem sabor, sabia? Um quê de chocolate quente — daqueles que a gente tomava escondido, fingindo dieta, mas lambendo a colher com gosto. Um toque de baunilha também – suave, quase tímido, como você quando fazia birra só pra ganhar um carinho a mais. Saudade de gente boa tem isso: tem aroma, tem paladar, tem som de risada guardada em algum lugar do peito.
Dizem que saudade é falta. Eu discordo. Saudade é presença – viva, pulsante, teimosa. É gente que continua morando na gente, mesmo depois de ir embora. E você ficou. Nos detalhes, nos silêncios, nas tardes em que sorrio sozinho e alguém pergunta: “Em que você está pensando?” Como dizer que estou degustando uma memória?
Tem gente que não se esquece porque nunca foi embora de verdade. É como aquelas canções que a gente não ouve há anos, mas basta uma nota para cantar de cor. Você é assim. Está guardada em mim como uma dessas receitas de família que a gente faz no instinto: uma pitada de ternura, um punhado de riso, dois dedos de doçura e um toque de travessura.
É a culpa boa de quem viveu bonito, de quem amou sem freios, de quem compartilhou a vida como se fosse uma barra de chocolate: partindo aos poucos, mas deixando sempre um pedacinho a mais pro outro.
A vida anda apressada, o mundo meio áspero, e a gente vai se esquecendo do que realmente importa. Mas tem dias — como hoje – em que tudo para. E o que ficou escondido no armário das emoções reaparece com gosto de infância, cheiro de colo e aquela vontade boba de voltar no tempo só pra rir mais uma vez junto.
Você me ensinou que “gente boa” é quem chega leve, permanece sem exigir nada e deixa marcas suaves, como perfume bom em camisa lavada. E isso, meu bem, não se apaga. O tempo pode até varrer datas, amassar retratos, mas não apaga o que foi feito com o coração.
Hoje, sem data marcada, sem efeméride nenhuma, eu te celebro. Pelo que foi, pelo que ficou, pelo que ainda vive em mim. Celebro com um pedaço de queijo da Canastra, esta crônica que tem gosto de saudade, cheiro de afeto – e uma taça de vinho, como brinde à sua presença.

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