Opinião: A fraude dos números e a violência real

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Opinião: A fraude dos números e a violência real
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista




 Os dados são oficiais. Vieram carimbados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Mas quem conhece de perto a dura realidade dos idosos brasileiros – especialmente nas cidades do interior – percebe logo: os números não fecham. Mais parecem exercício de ficção estatística do que retrato fiel da vida real.

Segundo levantamento divulgado pelo portal G37.com, de Divinópolis, e reproduzido na Coluna Minas Gerais, da Folha da Manhã, de Passos (edição de 19 de junho), o município registrou, até agora em 2025, 818 casos de violência contra idosos. No ano anterior, os registros teriam alcançado 2.858 ocorrências.

À primeira vista, parece um número preocupante. Mas o que espanta mesmo é o que os números escondem. Ou o que nunca foi contado.

Que tipo de levantamento é esse? Quantos asilos, casas de repouso, abrigos e hospitais foram visitados? Quantas vítimas foram ouvidas? Quantas denúncias ficaram engavetadas ou sequer formalizadas? Houve fiscalização nas agências bancárias, onde aposentados são vítimas de golpes, empréstimos forçados e produtos financeiros que mal entendem?

Difícil acreditar na precisão desses dados.

       A pesquisa não informa sua metodologia. Não se sabe se os registros são apenas de boletins de ocorrência ou incluem notificações de serviços de saúde, assistência social e órgãos de proteção. Tampouco se houve esforço de busca ativa. Fica a sensação de um levantamento feito a toque de caixa, sem rigor técnico e, sobretudo, sem compromisso com a gravidade do tema.

E aqui reside o problema maior: a invisibilidade institucional da dor.

A violência contra o idoso vai muito além do que cabe numa estatística mal apurada. É física, sim, mas também financeira, emocional, psicológica e institucional.

Ela está nos golpes bancários que corroem aposentadorias. No abandono dentro de casa. No desprezo de familiares. Na demora criminosa no atendimento médico. Na negligência dos planos de saúde. Nas filas intermináveis dos postos de atendimento. No empurrão impaciente, no olhar de desprezo no transporte público, na humilhação das filas preferenciais que só têm o nome.

O mais grave: mata-se também pela omissão. Pela inércia das autoridades. Pela ausência de políticas públicas consistentes. Pela falta de fiscalização nas instituições que deveriam proteger.

Ao divulgar dados tão desconectados da realidade, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania comete mais que um erro técnico. Comete uma falha moral. Uma espécie de violência institucional secundária, que reforça o ciclo de invisibilidade em que os idosos brasileiros estão mergulhados.

É ingenuidade acreditar que pouco mais de 800 casos traduzem a real extensão do problema em uma cidade como Divinópolis. A experiência de quem convive com essa realidade diz o contrário. Os casos são diários, múltiplos, repetitivos e, quase sempre, silenciados.

Enquanto os órgãos responsáveis insistirem em tratar o drama dos idosos como mero item de planilha, continuaremos empilhando números que não significam nada. Estatísticas de prateleira, feitas para alimentar relatórios que ninguém lê e para acalmar consciências institucionais.

A violência contra os idosos mata. Mata com a força de um empurrão, mas também com a frieza de uma omissão. Mata com o corte de uma faca, mas também com o silêncio de quem finge não ver.

E é por dever de consciência – e de ofício – que faço aqui este registro. Porque, antes de números, estamos falando de vidas. Vidas que, todos os dias, gritam por respeito, proteção e dignidade.

Antes que seja tarde demais.