Opinião: Dodora - Parte 1
Ana Pamplona (de Formiga)

“Tum!” silvou o computador de Dodora no momento em que apertou uma tecla errada. “Nossa, que trem difícil essa coisa de computador”... pensou ela se refazendo do susto enquanto procurava o que havia feito de errado no teclado. Ela não sabia nada sobre como usar um computador, nem para jogar paciência como as suas amigas, até que decidiu fazer um curso básico de informática no grupo da terceira idade.
Depois de recuperar-se com muita dificuldade de uma depressão causada pela viuvez repentina (*), ela decidiu voltar a viver graças ao apoio das filhas. Luíza estimulou-a a frequentar o grupo, fazer aulas de forró e comprar roupas novas. Marina, a caçula, mandou pintar a casa da mãe, ajudou a trocar alguns móveis, trouxe novas mudas de plantas e lhe presenteou com um laptop. Disse que ela precisava se modernizar e conhecer novas pessoas, quem sabe até namorar de novo. Justificou a compra do aparelho dizendo-lhe:
— Mãe, como pode uma pessoa tão linda e cheia de vida como a senhora ficar parada e sozinha desse jeito? Já se passaram dois anos que nosso pai morreu, está na hora de voltar a viver!
Dodora relutou muito com a possibilidade de um novo relacionamento, achava tudo isso uma bobagem, um exagero das filhas. Além do susto e do sofrimento pela morte do marido, ainda descobriu que o safado tinha outra família. Havia aguentado a chatice do Isaías durante 45 anos, com aquele gênio péssimo, para, no final, descobrir a traição. Além disso, ela aprendeu com sua mãe, tias, avós e a sociedade em geral, que não ficava bem para mulheres maduras e viúvas se relacionarem depois de velhas. Então, aos 68 anos, ela havia decidido que não queria homem na sua vida novamente e que, casamento era horrível. Não poderia haver nada de bom naquilo, a não ser os filhos e os netos.
Entretanto, não poderia negar, achava-se ainda com alguma energia e sentia-se bastante solitária há algum tempo, mesmo com a presença da família, que lhe supria, naquele momento, apenas uma parte de suas carências. Então, talvez, fosse interessante pensar em namorar esporadicamente, sem compromisso. Mesmo que isso lhe custasse quebrar alguns tabus que funcionavam como muros muito altos para escalar. E, talvez, não saberia dizer se conseguiria aventar a possibilidade de fazer sexo com outra pessoa. Quando falava assim, sua amiga Berenice lhe dizia:
— É sério, Dodora? Queria continuar a fazer sexo com o defunto? Não se esqueça: viúvo é quem morre...
“Ah, não”, pensava Dodora, “sexo com aquele traste nem era bom”, aliás, ela nem sabia o que significava esse conceito de sexo bom. As amigas do grupo comentavam algumas coisas que ela não vivenciou, chegava a dar medo. Mas, vá lá, depois de muito relutar, Dodora concordou:
— Pois bem, vou voltar a “viver”, conforme vocês dizem, mas não quero saber de homem dentro da minha casa! Somente namoricos! Já que Deus me permitiu ficar livre do seu pai, aquele traíra, não quero mais nenhuma encrenca para mim. Deus me livre de lavar cuecas, fazer comida e cuidar de casa para homem enjoado! — dizia isso fazendo o sinal da cruz.
— Tem toda razão, mãe! A senhora já viveu um casamento complicado, é muito jovem, precisa aproveitar a vida, divertir-se! Nada de compromisso! — diziam as filhas para apoiar a matrona.
Marina, então, tratou logo de montar o perfil da mãe no site de namoro, antes que ela desistisse. Colocou uma linda foto, na qual Dodora estava com os cabelos arrumados, blusa de oncinha, sorridente (com a dentadura seminova) e maquiada. Lá dizia que ela buscava um relacionamento superficial depois da viuvez. O pretendente deveria ter até 70 anos, não menos que um metro e setenta e cinco de altura, estar em boa saúde e boa situação financeira, ser bonito, ter atitude e ser dócil ao mesmo tempo, romântico, gostar de dançar, de viajar (porque ela pretendia visitar as flores de Holambra) e de cinema. E ela não queria namorado careca, nem usando bigodes. Alegava trauma nesses quesitos por causa do Isaías. As filhas acharam-na bastante exigente quanto ao perfil dos futuros candidatos, mas trataram de torcer para que aparecesse alguém o mais rápido possível.
E apareceu. Aliás, vários. Mas não preenchiam todos os requisitos. Uns eram muito baixos, ou carecas, ou não estavam bem financeiramente, ou usavam bigode. Por exclusão, acabou saindo com alguns dos candidatos. No entanto, foi um desastre, não deu certo com nenhum deles. Dodora justificava o fracasso dos encontros com ares de modernidade: “não deu match”, dizia balançando os ombros.
A vida de Dodora prosseguiu e de seus pretendentes da internet também. Inclusive, estava bastante desanimada daquela “palhaçada de sites de relacionamentos”, dizia para suas filhas. No forró apareciam candidatos também, mas nenhum que lhe balançasse as estruturas, muito pelo contrário.
Até que um dia, no supermercado do seu bairro...