Opinião: Viver? Só de teimoso!

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Opinião: Viver? Só de teimoso!
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista. (luizgfnegrinho@gmail.com)




Positivamente, viver não está fácil. E nem adianta apelar para aquelas perspectivas otimistas, os filtros de positividade tóxica ou as frases de autoajuda que lotam as redes sociais. Não está fácil. De jeito nenhum.

  Nos últimos três meses — apenas 90 dias! — a vida resolveu me matricular, sem consulta prévia, num curso intensivo de paciência, resiliência e, sobretudo, sarcasmo involuntário.

  Primeiro ato: meu celular foi clonado. Só por aí, nas redes sociais, comecei a circular numa versão fake de mim mesmo, pedindo dinheiro emprestado, alegando estar na pior.  Para completar o espetáculo, divulgaram uma liquidação relâmpago de eletrodomésticos usados: geladeiras, freezers, máquinas de lavar roupa, televisores e sabe-se lá mais o quê. Tudo a preços tão baixos quanto o caráter dos golpistas.

  Veio então o segundo golpe.  Literalmente, e no bolso.  Ao pagar o IPVA da minha velha senhora — uma Mercedes de muitas batalhas, mas ainda de respeito — acabei vítima de uma quadrilha que criou um site falso do Detran-MG. Tudo com direito a QR Code, layout impecável e aparência institucional. O golpe foi tão bem arquitetado que só descobri a artimanha depois de perder R$ 2.820,00, pagos religiosamente a quem jamais deveria receber. E o mais irônico: soube do golpe por funcionários do Banco do Brasil. Muitos deles também caíram. Aliás, segundo me contaram, a origem da fraude é o Ceará. A essa altura, eu já me sentia parte de uma irmandade nacional de vítimas de boa-fé.

  Mas como os aborrecimentos nunca vêm sozinhos, veio o terceiro ato, com direito a cenário mineiro e temperatura de inverno. Em pleno frio das Areias Brancas, enquanto recolhia meu caldo de feijão no Baiano’s Bar, um motoqueiro desgovernado decidiu transformar meu carro em obstáculo de rali. Abalroou com vontade: porta, soleira e para-lama. Feriu de morte não apenas a lataria, mas também o meu bolso e a minha paciência.

  Seguro? Tenho. Mas a franquia, generosa como sempre, é de quase três mil reais. O conserto, por baixo, vai girar em torno de dois mil. E o motoqueiro? Fugiu, como manda a cartilha dos irresponsáveis urbanos.  Testemunhas? Todas acometidas de uma súbita cegueira moral. A moça da loja ao lado, por exemplo, tem câmera de segurança, mas prefere não se meter. Para que câmera, então? Talvez para decorar a fachada, como um adereço moderno de fingida vigilância.

  E eu? Eu, claro, me meti. Como sempre.

  Quarenta anos de advocacia nas costas, e sigo acumulando causas — inclusive as minhas.

  Por isso, quando me perguntam: está fácil viver? Não, absolutamente não.

       Viver hoje é quase um ato de resistência. Uma teimosia. Ou, quem sabe, um capricho divino.

       É isso aí.