Quando o amor vira prisão

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Quando o amor vira prisão
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado e cronista. (luizgfnegrinho@gmail.com)




Quando o amor deixa de ser liberdade, transforma-se em posse. Em obsessão. Em tragédia.

Em qualquer tempo ou lugar – em qualquer canto do mundo – o que nasce como afeto pode adoecer. É quando o cuidado se transmuta em vigilância, o carinho em domínio, e o desejo de estar junto se contamina pelo medo de perder – um medo que sufoca, que grita, que agride. Às vezes, que mata.

Vivemos tempos de angústia afetiva. Vínculos se desmancham, famílias se partem, e o que deveria ser abrigo transforma-se em tormenta. A frase recorrente – “se não for minha, não será de ninguém” – é o epitáfio de algo que, um dia, ousou se chamar de amor.

Mas isso não é amor. É egoísmo disfarçado de romantismo.

Amar é deixar o outro ser, e não moldá-lo à nossa imagem. É aceitar a liberdade alheia como parte essencial da construção de um afeto verdadeiro. Quem ama de verdade oferece espaço, não domínio; confiança, não vigilância; ternura, não imposição.

 Laços se tecem com carinho, escuta, presença. O verdadeiro amor não se nutre de controle, mas de respeito mútuo. Ele cuida sem sufocar, permanece sem exigir, acolhe sem anular. Ele é parceria, não prisão.

Nos trágicos episódios que se repetem — nos noticiários ou no silêncio das casas – o que vemos não

 é excesso de amor, mas carência de maturidade emocional, ausência de limites, falência da empatia. Amor nenhum autoriza a violência. O amor, o verdadeiro, não tira a vida. Ele a ilumina. Ele dá sentido.

É urgente educar para isso. Falar sobre isso com nossos filhos, nas escolas, nas igrejas, nas rodas de conversa. Ainda que pareça estranho, ensinar que ninguém é de ninguém – mas que é possível caminhar juntos, com afeto e liberdade.

E talvez seja preciso admitir: há amores tão intensos que só sobrevivem no não vivido. Talvez o maior amor seja aquele que, por ser imenso, não coube na realidade. E por isso não se concretizou. Mas nem por isso se tornou dor. Apenas memória. E ternura.

 Porque quando o amor exige grades, já não é amor.

 E onde não há liberdade, não há laços – apenas correntes.

 E onde há correntes, a humanidade se apaga.

Que Deus se faça juiz dessa causa. Porque onde o amor vira prisão, é preciso libertação.

Laissez faire, laissez passer (Deixe fazer, deixe passar)