República do Champanhe

República do Champanhe
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)




 Vivemos, dizem, numa democracia de base. E repetem isso com a convicção dos que sabem que a repetição exaustiva é uma forma eficaz de domesticar consciências. Talvez estejam certos: somos a base — o alicerce suado, cansado e silencioso, sobre o qual se erguem palácios refrigerados onde se serve lagosta fresca, regada a vinho de R$ 5.000, com direito a sobremesa de chocolate belga e vista panorâmica para o Atlântico.

       Enquanto o povo conta moedas no açougue e encara ovo como artigo de luxo, os três poderes da República se esbaldam em regalias pagas com o sangue do contribuinte. Chamam de missão institucional aquilo que, na prática, é turismo de alto padrão: passagens em classe executiva, suítes presidenciais de R$ 4.200 a diária, banquetes em salões acarpetados, tudo cuidadosamente documentado e com nota fiscal — porque a legalidade, nesse teatro, é o figurino de gala da imoralidade.

       No Parlamento, discute-se a fome com canapé de salmão defumado na mão. No Executivo, planeja-se o combate à miséria sob lustres de cristal. No Judiciário, medita-se sobre justiça social entre goles de vinho do Porto importado. E o povo? Assiste. Sem voz, sem escolha e sem o direito sequer de se indignar em voz alta sem ser acusado de “ameaçar as instituições”.

       Falam em base da democracia como quem recita uma oração. Mas que democracia é essa onde poucos decidem, poucos desfrutam e muitos apenas financiam o espetáculo? Democracia gourmet, blindada, climatizada, vestida de toga e ternos sob medida. Uma democracia que não se mistura com fila de hospital, ônibus lotado, escola sem merenda ou salário mínimo.

       O sistema é tão bem amarrado que não exige mais consentimento, apenas conformidade. Somos a base, sim — mas com as mãos atadas, os pés presos e a consciência trancada na masmorra de uma farsa que juram, com fervor teatral, ser verdadeira. Ainda que se ria, ainda que se brinde, tudo — absolutamente tudo — é feito, dizem eles…

 … pela democracia.

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado luizgfnegrinho@gmail.com