Opinião: Amizade Além das Diferenças

Raimundo de Paula Andrade (de Formiga)

Opinião: Amizade Além das Diferenças
Raimundo de Paula Andrade é médico e membro da Academia Formiguense de Letras




João e Davi eram inseparáveis. Dois meninos negros, cheios de sonhos e alegria, que adoravam brincar às margens do rio perto de suas casas. João nasceu com uma perna mais curta e usava uma muleta para se locomover; Davi não ouvia bem e se comunicava com gestos e leituras labiais. Para eles, nada disso importava. Eram livres, felizes e se entendiam com o coração.

Seus pais, pessoas simples, semianalfabetos, sonhavam com o dia em que as crianças iriam para a escola, aprender a ler e escrever, coisa que eles não realizaram em função da dura labuta na roça. Trabalhavam durante todo o dia, sob o sol escaldante. O que ganhavam mal dava para o sustento das famílias, mas iam sobrevivendo com a esperança de educar os filhos.

Quando chegou o dia de irem à escola, estavam animados. Seria um novo mundo, novas descobertas. Mas, logo no primeiro dia, perceberam que ali não era tão acolhedor quanto a natureza que conheciam. A sala de aula estava cheia de crianças brancas que, ao vê-los, começaram a cochichar, rir e zombar de suas condições.

— Olha aquele manco!

— E aquele outro? Nem entende o que a gente fala!

Os risos machucavam mais que qualquer tombo. João e Davi tentaram ignorar, mas a cada dia os insultos pioravam. Tentaram falar com a professora, mas ela apenas suspirava, sem saber o que fazer. A diretora dizia que “as crianças são assim mesmo” e que logo tudo se resolveria. Mas não resolvia.

Uma tarde, depois de mais uma sequência de zombarias, João e Davi sentaram-se sob a grande árvore no pátio da escola. Davi gesticulou:

— Aqui não é como lá no rio. Lá somos felizes.

João concordou. Sentia-se esmagado por aquele ambiente hostil.

Na manhã seguinte, não voltaram à escola. Voltaram ao rio, ao vento, ao abraço das árvores. E ali, decidiram que aprenderiam de outra forma, com os livros que a mãe de João guardava e com as histórias que os mais velhos contavam.

O tempo passou, e João e Davi cresceram. Tornaram-se homens sábios e respeitados na comunidade. Criaram um espaço onde todas as crianças — brancas, negras, com ou sem deficiência — podiam aprender juntas, em respeito e amor.

E, assim, ensinaram ao mundo o que a escola não soube ensinar a eles.