Opinião: Souberam que, para fugir a dívidas, o devedor abriu outra empresa
Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)
São dois pequenos empresários. Eram fornecedores de uma empresa cujas portas foram fechadas repentinamente, sem pagar o que lhes devia. Ajuizaram uma ação de execução contra a empresa, mas, infelizmente, seus esforços para localizar o dono e tentar receber dele foram inúteis.
Ficaram sabendo, há poucos dias, que o filho desse devedor tinha aberto, antes do fechamento da empresa do pai, uma outra para prestar o mesmo serviço que a do pai prestava. E mais: o boato é que o filho é apenas uma fachada, e que quem verdadeiramente administra a nova empresa é o pai dele. O fechamento da empresa se deu apenas para dificultar as cobranças das muitas dívidas que pesavam sobre ela.
Inconformados, fizeram um teste. Enviaram ao endereço da nova empresa uma pessoa que se passou por cliente interessada em fazer negócios com o dono. Quem a atendeu foi o devedor, como se dono fosse. “Não é possível que esse “fintador” (assim se referem ao devedor) saia ileso dessa situação!”
Comento com eles que o correto teria sido o devedor, quando decidiu encerrar a empresa, fazer um levantamento das suas obrigações financeiras; entre estas, as dívidas a quitar. Deveria ter negociado com os credores formas de pagamento ou algum acordo, e, depois, proceder à venda dos ativos (bens e direitos que a empresa possuía) para quitar as obrigações. Porém, o primeiro pagamento seria das obrigações tributárias e trabalhistas.
Eles me dizem que ficaram sabendo que ele quitou essas obrigações e até pagou a um outro fornecedor. Só os dois não tiveram essa sorte. Agora que têm certeza de que a abertura da empresa em nome do filho é apenas uma forma de dar continuidade à anterior sem arcar com dívidas, querem encontrar uma maneira de fazê-lo cumprir sua obrigação.
Digo-lhes que precisarão levantar provas de que, embora não conste na documentação da nova empresa, o real proprietário é o mesmo que deve a eles e que a atividade de negócio exercida também é a mesma da empresa anterior. Assim, evidenciarão que está em curso uma continuidade da empresa devedora, só que com CNPJ diferente, para fugir ao pagamento a credores.
Como a primeira empresa está sendo executada pela dívida que tem com eles, é possível, considerando os fatos que me narraram, em que ficou evidenciada uma composição de sócios oculta (entre o pai e o filho), incluir a segunda empresa como ré. Essa nova pessoa jurídica poderá ser condenada a responder pelas dívidas da empresa executada.
No caso, deixa-se de levar em conta apenas o CNPJ, que comprovaria a existência de um empreendimento diferente (o que livraria a empresa do filho da responsabilidade de arcar com dívidas da empresa do pai), e passa-se a considerar a situação concreta. Observando tal situação, constata-se que os responsáveis agiram com má-fé, tentando despistar os credores.
A abertura da segunda empresa configura uma fraude, pois foi fundada para acobertar a figura do sócio da primeira. Constituiu-se uma nova pessoa jurídica para praticar um ato ilícito.
Ficamos ali a conversar sobre tempos em que os negócios eram “feitos no fio do bigode”, quando bastava a palavra para selar contratos. Os tempos mudaram. A palavra escrita passou a ser exigida para formalizar relações, contudo nem mesmo ela prevalece, se a pessoa não aprendeu a importância de cumprir suas promessas.
Nota da autora Em 12 de março de 2021, propus a Manoel Gandra a criação desta coluna. Ao longo desse tempo, foram produzidos mais de 150 textos, publicados semanalmente. Foi gratificante perceber que, com a coluna, estávamos alcançando o objetivo de disseminar, em uma linguagem acessível, por meio de casos concretos, o direito das pessoas. Cada comentário que eu recebi dos leitores me motivou a seguir adiante. Agradeço a todos a generosidade em me dar um retorno sobre o que liam, e a Manoel, a confiança e o acolhimento à ideia. Agora, a vida me leva a trilhar um caminho na Educação, que exigirá minha atenção exclusiva. Qualquer dia desses voltaremos a nos encontrar por aqui. Muito obrigada! |
Maria Lucia de Oliveira Andrade
maluoliveiraadv201322@gmail.com
Membro da Academia Formiguense de Letras