Opinião: Não haverá missa nos próximos dias

Nirlei Maria Oliveira (de Campinas-SP)

Opinião: Não haverá missa nos próximos dias
Nirlei Maria Oliveira é formiguense, escritora e bibliotecária




O padre ficou pensando na conversa com o Engenheiro. O pobre homem estava completamente enfeitiçado pela Dona Rosinha. Pior, parecia feliz e satisfeito. Pobre diabo! — repetiu, benzendo a si mesmo em proteção contra o pensamento, enquanto caminhava lentamente, em direção ao confessionário para ouvir os pecados de sempre daquelas pessoas que gostavam de se ajoelhar durante as ave-marias e pais-nossos.

Havia dias que não aparecia ninguém.

Mas cumpria o seu ritual com devoção, uma hora a culpa traria de volta o seu rebanho. Passados uns 15 minutos daquele silêncio madeireiro, ouviu barulhos de sapatos e um perfume cítrico entrou pelos vãos do confessionário, reavivando a sua memória.

Uma mulher vestida de vermelho, cabelos negros se ajoelhou. Reparou que ela não era da cidade e pressentiu o pior. Fechou os olhos, engoliu seco e começou a lidar com as contas do rosário, em oração.

Ela fez o sinal da cruz… e ele a benzeu, dando continuidade aos ritos de sua fé.

— Quais são os seus pecados, minha filha?

Ela respirou fundo, passando a limpo cada uma de suas emoções. Ele sentiu pulsar o coração no peito e em todas as partes do corpo.

— Tive um romance com um padre que resultou num belo casal de gêmeos, que estão com quatro anos, agora. Ele não sabe sobre os filhos, ainda. O irresponsável abandonou a cidade às pressas e não tive mais notícias dele. Soube do paradeiro há pouco, depois de muito procurar. A Igreja não colaborou, principalmente depois que souberam dos meninos.

O padre emudeceu.

Sentiu um frio percorrer toda a extensão de sua espinha. Começou a transpirar. Tentou se apegar as contas do rosário, mas a reza não acontecia. Pensou em se levantar, mas as pernas fraquejaram. Fez um enorme esforço e conseguiu sair cambaleante daquele espaço que nunca foi tão pequenino e deu de cara com Etelvina

— a bela jovem por quem quase abandonou a batina. Só não o fez porque foi desencorajado pelo Cônego que disse que ele não seria o primeiro, tampouco o último padre a se envolver com uma dama. Sua ida para outra cidade foi providenciada e ele se comprometeu a não mais procurar a moça.

Passado tanto tempo…

Ainda se lembrava dos encontros escondidos. Dos beijos fugazes e do incêndio que o acometia quando ela se despia diante de seus olhos de homem. Benzeu-se diante da tentação. O homem que era, no entanto, começava a sucumbir.

O Padre empalideceu.

E sem saber o que fazer, o que dizer e como reagir, caiu no choro, feito um menino. Ela cruzou os braços a frente do corpo e olhou bem no fundo de seus olhos:

— Não há tempo para este teatro, homem!

Aguentei tudo sozinha. Sem derramar uma lágrima.

Ouvindo falatórios e impropérios de todos na cidade. Eu não tinha dinheiro e tive que me virar, agora é a sua vez…

Ela havia trazido os gêmeos, que aguardavam para conhecer o pai — sentados no último banco da igreja.

— Crianças, venham aqui conhecer o papai!

Ele se sentou no primeiro banco enquanto o olhar reparava nas duas crianças, tão iguais a ele: cabelos ruivos e sardas: cópias exatas, inclusive na inquietação.

— O papai usa vestido.

— O papai usa vestido.

Cantarolavam sem parar.

— Queremos morar com o papai.

— Queremos morar com o papai.

Etelvina parecia satisfeita com o que ouvia.

O padre sem reação, observava, incrédulo... as mãos estavam frias, como se fosse o seu último minuto de vida.

— As crianças esperaram muito por esse momento e eu           também. Ganhei uma bolsa de estudos e vou ficar quatro anos na França. E você vai ficar com eles. Nada mais justo. Poderá compensar toda a ausência dos últimos anos.

O padre boquiaberto e com os olhos arregalados, por um instante, pensou se tratar de um pesadelo. Uma provação celestial ou uma artimanha demoníaca. Procurou pelo rosário e se deu conta de que o tinha deixado no confessionário.

As crianças alheias as rusgas, corriam repetindo o que havia virado uma espécie de refrão: vamos morar com o papai. O papai usa vestido. — enlouquecendo o santo padre.

Etelvina reparou na presença de várias senhoras boquiabertas no fundo da Igreja, presenciando a cena.

Eram as fofoqueiras da cidade e saíram apressadas para espalhar a novidade.

Melhor assim. — pensou.

E se despediu das crianças, pedindo para que se comportassem na sua ausência. Ao sair, fez o sinal da cruz e passou pela porta sem olhar para trás, desfilando faceira entre aquela gente alcoviteira.

Na manhã seguinte havia um cartaz na porta da igreja: não haverá missa nos próximos dias. Quem apurasse os ouvidos, podia escutar crianças correndo, gritando, derrubando objetos... e o padre em desespero, pensando se um pedido de perdão faria diferença.

Precisava de um milagre com urgência. Deus não estava escutando as suas preces... Se bem que, com tanto barulho, não deveria ser fácil ouvi-lo.