Opinião: Ela protegeu o imóvel com cláusula de usufruto, mas ele foi penhorado

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Ela protegeu o imóvel com cláusula de usufruto, mas ele foi penhorado
Maria Lucia de Oliveira Andrade membro da Academia Formiguense de Letras




Sua segurança, ao fazer ao filho já casado a doação da única casa que conseguira adquirir com os frutos de anos de trabalho, foi ter reservado para ela o usufruto vitalício desse imóvel. O filho, ao contrário da irmã, tinha dificuldade em gerenciar as próprias finanças e já demonstrara, em várias ocasiões, uma tendência a se desfazer de tudo quanto adquiria ou ganhava. 

Outro fato que a levou a decidir por fazer uma doação em vida foi o tempo que durou o inventário do marido dela. Achou demorado e complexo o processo, e, ao vivenciar isso, decidiu tornar mais simples as coisas para esse filho, sempre metido em dificuldades financeiras. Quanto à filha, também doou a ela bens que, comparativamente à casa doada ao irmão, equivaliam em valor.

No Cartório de Registro de Imóveis, explicaram a ela que, pela doação com cláusula de usufruto vitalício, transferiria ao filho a casa, mas continuaria a usufruir do imóvel enquanto vivesse. Ela teria direito a continuar morando nele e a administrá-lo. Se quisesse alugá-lo para outras pessoas, também poderia. Achou engraçado quando lhe disseram que o filho seria o nu-proprietário. Nu... muito engraçado. Explicaram que ele teria o domínio do imóvel, mas não faria uso dele. Ela, sim. 

Diz-me que, quando assim fez, quis também, de certa forma, proteger o imóvel, pois, se o filho quisesse vendê-lo, não poderia, já que o usufruto era dela. 

Interrompo-a, esclarecendo que o imóvel poderia, sim, ser vendido, mas continuaria prevalecendo a cláusula de usufruto enquanto ela vivesse. Ela me olha, duvidando do que lhe informo. 

“Mas quem compraria uma casa se soubesse que o usufruto já é de outra pessoa?” Respondo-lhe que há, sim, gente disposta a adquirir imóveis nessas condições. Ainda que dificulte um pouco a venda, isso ocorre.

“Ah, então, deve ser possível penhorar a casa...” 

Estranho o fato de mencionar penhora e lhe pergunto por que diz isso. Então, ela me conta o que a trouxe a mim. Dias antes, havia sido surpreendida com a notícia de que a casa havia sido penhorada. O filho, mais uma vez, perdera o controle das próprias finanças e se endividara. Tendo sido cobrado várias vezes e não tendo quitado a dívida, sofreu uma ação de execução. Ao pesquisarem bens existentes no nome dele, logo apareceu o imóvel que lhe fora doado. 

Ela quer defender-se da ordem judicial de penhora, pedindo que seja cancelada, já que se trata de um imóvel que está sob a proteção de uma cláusula de usufruto vitalício.

Explico-lhe que tal cláusula não impede a penhora do imóvel. Essa penhora recai apenas sobre a nua-propriedade, a qual pertence ao filho dela. O domínio do imóvel é dele, porém o direito de usufruto é dela. Seja este vendido ou penhorado, o direito real de usufruto que recai sobre ele tem de ser respeitado. Portanto, enquanto viver, ela poderá usufruir do imóvel. Não há motivo para ela se preocupar.

Ela me corrige, com razão. É claro que tem motivos para se preocupar. Diz que o filho acaba de perder sua futura garantia de ter um teto. Sendo a casa penhorada para pagamento da dívida, nada lhe restará. Corrijo minha fala, explicando que me referi à preocupação de ela própria ficar sem poder usufruir da casa onde sempre morou. Quanto a isso, não precisa preocupar-se. 

Esperando confortá-la, digo-lhe que, quanto ao filho, não há como fazer escolhas por ele. Foi ele que manteve as finanças descontroladas. Ele escolheu percorrer um caminho que, em algum momento, chegaria àquele ponto. Ela precisa lembrar-se de que se trata de um adulto. Não deve colocar sobre os próprios ombros dores e responsabilidades que não são suas.

Enquanto falo, penso que é fácil dizer isso. É um conselho tão óbvio! Porém, reconheço a imensa dificuldade que é nos desligarmos das consequências nocivas dos atos praticados por aqueles a quem amamos, deixar que sigam adiante, sofrendo as consequências dos próprios atos e omissões.