Opinião: O RIO FORMIGA

Eduardo Ribeiro (de Formiga/MG)

Opinião: O RIO FORMIGA
Eduardo Ribeiro de Carvalho é membro da Academia Formiguense de Letras




Eu não poderia deixar de falar do nosso querido e amado Rio Formiga. Quase todo cidadão formiguense confessa que ama o Rio Formiga. É um sentimento que gruda nas pessoas quando adolescentes e vai crescendo na medida em que também as pessoas vão crescendo, ficando adultas. Isso não se explica, uma vez que o Rio, hoje em dia, não tem potencial para tal, hoje ele não passa mesmo de um Ribeirão. Se fosse descoberto do jeito que está, pelos famosos tropeiros que pernoitavam em suas margens em tempos antigos, que possivelmente lhe deram esse nome, com certeza lhe batizariam com o nome de Ribeirão Formiga.

Muitos formiguense antigos afirmam que o Rio antigamente era muito diferente, grande, largo e fundo.

Eu discordo.

Quando eu tinha dez anos de idade, e morava no Bairro do Engenho de Serra, portanto há sessenta anos atrás, considerando que já estou com setenta anos, neste ano de 2019, eu nadava e pescava bagres com as mãos enfiando estas nos buracos que existiam em suas margens, agarrando os e puxando-os para fora. Pescava muito peixe, de tamanho médio e posso dizer com certeza, que o Rio Formiga nunca foi do tamanho que as pessoas dizem que ele era. A calha do rio não era funda como agora, o rio corria quase no mesmo nível das ruas da cidade e as águas eram bem rasas, talvez, menos de um palmo de profundidade. Para tomar banho nele a gente, quando eu digo a gente, estou falando de um monte de meninos que moravam no Bairro do Engenho de Serra, tinha que retirar a areia do fundo onde nós estávamos, cavando uma espécie de buraco, para a água ficar mais abundante. Como a calha era alta, quase não tinha, as águas se espalhavam mais, o que dava a falsa impressão de que o rio era grande. Não era.

Portanto, o Rio Formiga, não tanto como hoje devemos admitir, sempre foi raso.  

Agora, as enchentes do Rio Formiga, aí sim, eram fabulosas.

Uma enchente do Rio Formiga fascinava e ao mesmo tempo amedrontava qualquer observador. As águas avolumadas desciam loucas, endiabradas, pelo seu leito a fora, tornando-se este muito reduzido para recebê-las. Amarronzadas e turvas, nada lembravam o calmo rio, que em dias normais, deslocava-se preguiçosamente num movimento quase imperceptível

As águas do rio transfiguravam-se assustadoramente. 

Aumentado pelas chuvas que caiam abundantemente em sua cabeceira, coisa que parece não mais acontece nos dias de hoje, as águas iam levando tudo que encontravam pela frente, inclusive em suas margens: troncos de árvores arrancadas violentamente, galhos, mourões, arames, folhas, latas, pedaços de madeira, e não raras vezes, animais de grande porte, mortos e vivos. Dava dó ver uma cabeça de um boi vivo, flutuando com o corpo afundado nas águas, que desciam velozmente. Nada se podia fazer. A gente ficava torcendo afoitamente que eles pudessem escapar de alguma maneira mais abaixo, o que era pouco provável visto a fúria das águas. Os galhos de árvores e outros detritos iam se agarrando aos pilares das pontes, oferecendo maior resistência à passagem das águas, provocando jorros de espumas para todos os lados. A impressão que se tinha é que as pontes não iam aguentar a pressão e a qualquer momento poderiam desmoronar rio abaixo, principalmente, a do Bairro do Engenho de Serra, visto que era feita de madeira e já se encontrava bem precária. Por causa disso, poucas pessoas se arriscavam em ficar em cima delas num momento como esse. Só as que queriam demonstrar coragem. A maioria das pessoas ficavam em pé à beira das margens do rio, apreciando o espetáculo ao longe.

Ficando em cima da ponte do Engenho de Serra era possível tocar as águas com as mãos. Na época tinham alguns rapazes, destemidos, que ficavam lá, quando das enchentes. E por incrível que possa parecer, alguns deles, não sei se hipnotizados pelas que passavam naquele ritmo alucinado, cometiam proezas incríveis, incompreensíveis para a grande maioria das pessoas: enfrentavam as águas, saltando para dentro delas, indo de uma ponte a outra, meio àquela turbulência aterrorizante. Quando menos se esperava, alguém pulava no rio, desafiando a morte, sob o grito de espanto dos espectadores. Esses malucos faziam o percurso entre as pontes, abanando as mãos para os incrédulos assistentes. Eu mesmo presenciei muitos desses fatos.   

Bom, além desses acontecimentos, era comum também naquela época, as águas do rio invadirem as ruas da cidade, principalmente, aquelas do lado esquerdo, no sentido centro. Era um volume muito grande de água que invadiam as casas e a lojas existentes naquele local. A destruição e os prejuízos eram muito grandes. Os comerciantes quando notavam que poderia haver enchente já ficavam meio que apavorados. A inundação era certa. Hoje, tem muitas pessoas que possuem fotos da época e quem as vê ficam impressionados com as imagens exibidas. 

Para finalizar, eu penso que hoje com a calha do rio tão profunda como está, afundada que foi por máquinas especializadas, não há água em quantidade suficiente, que faça novamente o rio sair do seu leito, mesmo porque, parece também que não chove mais como chovia antigamente, na cabeceira do rio. Isso é um fato.