Opinião: Meu nome não é James Bond

Frei Betto (de São Paulo/SP)

Opinião: Meu nome não é James Bond
Frei Betto é escritor




Sabe quantos James Bond há somente nos EUA? São 2.242, registra o documentário britânico “The other fellow”, de Matthew Bauer, no qual são relatadas vidas de pessoas homônimas ao famoso personagem da série de filmes “007”, criado por Ian Fleming.

Entre os focados está o negro preso ao longo de dois meses, nos EUA, por desacato, pelo simples fato de, ao ser abordado por policiais que lhe indagaram o nome, responder: “James Bond”. E era verdade. 

Nome pode ser motivo de confusão, como me acontece. Convidado a palestras e eventos, não raro a passagem enviada pelos promotores me chega com o nome Frei Betto. Durante a ditadura militar, a condenação de quatro anos que recebi foi acrescida da cassação política por 10 anos. Ao deixar a cadeia, deparei-me com um impasse: se votasse, seria crime. Se não votasse, também. Porque a Justiça Militar cassou o Frei Betto e não o meu nome de registro. A saída era mudar de domicílio eleitoral a cada eleição. 

Sempre que declino meu sobrenome a quem me preenche cadastro, costumo comentar: “Christo, irmão de Jesus por parte de Pai”. E não minto, como Dom Helder Camara não mentiu em uma delegacia no Recife. Ali se encontrava preso um pedreiro, confundido com um traficante de drogas. Havia sido torturado para confessar o que não sabia, e a família recorreu ao prelado.

“Vim aqui porque meu irmão, fulano de tal, está injustamente preso”, disse Dom Helder ao delegado. “Seu irmão!?”, reagiu surpreso o policial devido às diferenças física e social entre os dois. Dom Helder se debruçou e segredou-lhe ao ouvido: “Meu irmão só por parte de Pai...” “Ah, entendi”, reagiu o policial.

Certa vez um paroquiano da igreja de São Domingos, em São Paulo, veio me pedir desculpas. Não entendi, pois mal o conhecia. Ele explicou: “Desculpas porque o considerava muito pretensioso ao adotar o nome de Jesus, enquanto outros frades adotam de santos. Só agora soube que é seu nome de família.”

Frei Gil Gomes Leitão, indigenista qualificado, foi batizado e registrado como Dulce. Talvez por causa de uma promessa feita pela mãe, que julgou esperar uma menina. Ao ingressar na Ordem Dominicana, adotou o nome de Gil, em homenagem ao frade francês que o precedeu na região de Conceição do Araguaia (PA). 

Em plena guerrilha do Araguaia, na década de 1970, a repressão o acusou de apoiar os guerrilheiros e o incluiu na lista de procurados. Numa barreira policial, pediram a frei Gil que mostrasse os documentos. Constatado o “Dulce”, os militares zombaram do padre e o deixaram ir...

O gerente de um banco com quem eu pretendia tirar uma dúvida por telefone, me perguntou: “Qual seu nome?” “Carlos”, respondi. “Pergunto o sobrenome”. “Christo”. “Ah é? E eu sou Deus”, reagiu ele antes de desligar na minha cara.

Ao visitar amigos escritores ou escritoras que moram em apartamentos, eu costumava informar ao porteiro: “Diga que é o Machado de Assis” ou “João Guimarães Rosa”. Parei de fazê-lo quando um deles me disse pelo interfone da guarita: “Minha filha está lendo um livro do senhor, seu Machado. Será que posso trazê-lo para o senhor autografar quando voltar aqui?”

Outrora, os sobrenomes eram toponímicos, dados pela cidade de origem: Jesus de Nazaré, Francisco de Assis, Tomás de Aquino, Erasmo de Roterdã, ou relacionados a alguma atividade - Machado, Ferreira, Guerreiro etc.

Os primeiros sobrenomes de que se tem notícia são os patronímicos, que fazem referência ao pai: Simão, filho de Jonas; Bartimeu, filho de Timeu, por exemplo. Esse gênero difundiu-se bastante na língua inglesa, em que há uma grande quantidade de sobrenomes que terminam em son (filho) – como Stevenson, filho de Steven; Edson, filho de Eduardo; Jefferson, filho de Jeffrey ou Jofre etc.

Termino com uma piada infame: sabem quando o mundo acabará? Quando conseguirmos contar o número de pessoas que têm sobrenome Dias. Será o fim, pois estaremos com os dias contados...