Crônica: Pegar para ver

Rubem Alves (1933-2014)

Crônica: Pegar para ver
‘O Pergaminho’ publica crônicas de Rubem Alves por ter recebido autorização escrita do próprio autor




Ai, que mau teórico eu sou! Não admira que rigorosos professores de pós-graduação frequentemente repreendam seus orientandos por incluir citações minhas nos seus projetos de tese. "Rubem Alves não é cientista. Ele é um escritor!" Esses professores estão cobertos de razão. Não sou cientista. A ciência pensa por meio de conceitos abstratos. Eu penso por meio de imagens. São imagens que me fazem pensar. Mais do que isso: é por meio delas que tento ensinar. Ao convocar minhas ideias para escrever este artigo, foram as imagens que acudiram em meu socorro.

Eu me vi viajando com meus filhos pequenos, de 8 e 6 anos. Do lado de fora do carro, cenários deslumbrantes, uma festa para os olhos. Eu, pai educador, queria contribuir para a educação dos sentidos dos meus meninos. Mostrava-lhes os cenários. Queria que eles aprendessem a alegria de ver. Mas eles não viam. Não demonstravam o menor interesse pelas longínquas montanhas que me tiravam o fôlego. Para me apaziguar e para que eu não os chateasse mais, talvez dissessem: "Que legal!". Mas era da boca para fora. Logo voltavam ao seu foco de interesse: o espaço apertado do banco de trás do carro, onde se encontravam. E ali ficavam absortos, brincando com seus carrinhos de plástico.

Custou-me tempo para compreender que as crianças veem com as mãos. O puro "ver" não lhes é suficiente. O "ver" só lhes interessa como meio para se tocar um objeto. Pegar para ver.

É o tato que dá sentido à vista. O nenezinho vê, estende os braços, pega o objeto e o leva à boca, que tem uma dupla função. Primeiro, ela suga o leite do seio da mãe. Função prática. O seio é como um objeto da "caixa de ferramentas". Depois, a boca sente a maciez deliciosa do seio. Prazer tátil. O seio é como um objeto da "caixa de brinquedos".

Depois que o leite seca, cessando assim a função prática de alimentar que o seio tem, a criança ainda quer continuar a sugar. Por que esse gesto inútil? Porque a sensação tátil é gostosa. Essa relação primitiva entre a boca e o seio contém toda uma teoria metafísica: o mundo é comida. Mais do que comida, o mundo é macio. É por isso que aquele que ama deseja beijar o seio da mulher amada.

Parodiando Santo Agostinho: "O que é que beijo quando beijo o seio da mulher amada?". O poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926) via, no rosto da amada, estrelas e constelações tranquilas. Beijo o seio, sim, mas também um mundo que deve ter a maciez do seio. Os bichos de pelúcia que as crianças abraçam e os travesseiros macios e perfumados que abraçamos não contêm uma lição de metafísica semelhante, uma teoria de como o mundo deveria ser?

O filósofo francês Gaston Bachelard (1884-1962) chama a atenção para a "obsessão ótica" da nossa tradição científica. A palavra "teoria" vem do grego theoria, que quer dizer "contemplar", "olhar". Para se ver, é preciso que o objeto esteja distante dos olhos e do corpo.

Nossa tradição separou a visão do toque, mas as crianças se recusam a esse corte. Nas lojas de brinquedos, os pais conscientes dizem aos filhos pequenos: "Mãozinha para trás...". Eles sabem que, nas crianças, a visão quer tocar.

Bachelard nos pergunta se a matéria não tem uma realidade que só pode ser conhecida pelo tato. O jeito de cumprimentar, de abraçar, não dá a conhecer uma pessoa? Aquele "toque" no braço de Fernando Pessoa (no poema "Tato") o levou a uma experiência de mundo. Ele termina seu poema com "Assim a brisa nos ramos diz uma imprecisa coisa feliz...". Não é o toque só pelo prazer, é também para aprender.

Veja o exemplo dos livros. Todos sabem que eles são feitos para ser lidos. Eles são dados à visão. Mas antes de gozar a sua leitura, eu gozo o livro como objeto tátil. Eu o seguro nas minhas mãos, sinto a textura da capa, das folhas. Nós o conhecemos primeiro com as mãos. Há livros que pedem para ser acariciados. Minha mão alisando um livro: essa experiência pode provocar meu desejo de lê-lo ou não.

O tato contém um saber, talvez uma provocação ao saber. Ele nos faz pensar. Teríamos então de pensar o tato como uma das experiências essenciais que devem acontecer no espaço escolar. Isso porque o tato incita a inteligência.

Há muitos pensamentos que brotam das mãos. Uma mão ferida pensa um martelo. Por que haveria o cérebro de pensar o martelo se a mão não estivesse ferida? Uma mão que segura um cassetete tem, necessariamente, de fazer o cérebro pensar em golpes, da mesma forma que um revólver na mão, ainda que sem balas, nos obriga a fazer pontaria. A ostra constrói a pérola por causa do tato. O grão de areia a faz sofrer. Seu corpo então pensa uma coisa lisa que não a faça sofrer.

Nunca li nada sobre a relação entre o tato e a inteligência. Essas são minhas primeiras ideias. Não sei como ligá-las ao espaço escolar, mas sei que o espaço escolar deve ser como o seio: deve dar leite e ser macio. Como o seio da minha primeira professora, dona Clotilde...