Cronicando: Acumulador

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Cronicando: Acumulador
Robledo Carlos é representante comercial




Baseio-me em histórias de outros.

Zelador de amores de histórias físicas de dores, sacrifícios e outras banalidades alheias.

Acerco-me, acervo, acerto de vidas incertas.

Gosto de guardar sorrisos e motivos pelos quais foram causados.

Causos.

Relógios antigos, metálicos, estridentes, escandalosos, que deixaram de acordar o dono, por isso deve ter sido descartado. Somente o relógio poderia nos falar em tic-tacs que o mesmo sempre chegava bêbado.

Rádios antigos, madeira e baquelite, Semp Toshiba, Transglobe, Mitsubishi capinha de couro, ouviram a notícia da morte de Getúlio Vargas, ouviram a decisão do Brasil quando sagrou-se campeão de 58, ondas curtas, ondas médias, ouviram locutores em manhãs de sol, até aqui cuidaram deles.

Nostalgia é Óleo Peroba, Naftalina e tosse de velho.

Gasolina e óleo.

Segredos eu guardo às vezes.

Estranho amor de zelo.

Acumulo saudades, eu as guardo em veludo roxo, junto a fotos, separadas de meus LP's e CD's que guardo em baú de noiva, costumo chorar se os misturo, evito sempre essa fadiga.

Guardei poucos abraços, abraços quentes e demorados por minha parte, aqueles de verdades, queria-os mais longos, mais demorados se pudesse ter sido eu mais verdadeiro de mim.

Guardo filhos em cumbuquinha de coité envernizado com detalhes em ouro, esses nem verei envelhecer, guardarei-os somente enquanto viver, desvairadamente.

Juntei amores, fui juntando e coloquei em álbuns com folhas de seda, guardadinho de esmero e carinho.

Acumulo, guardo, amigos de vinhos, de dores, muitos deixei no caminho, não com desprezo, mas com sentimento que me pesavam.

Guardei paixões em vidro bem tapado, os vejo assim, de longe, melhor não abrir o vidro.

Guardei cheiro de café de casa ao amanhecer, apito de trem que me acordava preguiçoso, guardei chamadas de mãe, guardei cantos na capela, guardei canivetes que comprava.

Guardo natais, domingueiras e k-suco.

Colecionei selos e papeis de maço de cigarro, chaveirinhos e soldadinhos de chumbo.

Meu amor trago no peito, quem mora sabe.

Bicicletas que levaram ao trabalho e filhos na garupa.

Carrego histórias.

Faço fumaça em Vespas e carro velho.

Moedas, almofariz, instrumentos nem os toque.

Guardo tudo isso, com velhas chaves que guardo.

Tenho isso guardado em meu coração.

Eu guardo, ligo o rádio e tusso.