Opinião: A Riqueza de Damião

Ana Pamplona (de Formiga)

Opinião: A Riqueza de Damião
Ana Pamplona é membro do Coletivo Poesia de Rua




Suzana contraiu o corpo numa careta de dor.

— Damião!? Homi... vamos rápido! O “bichinho” está nascendo!

O “bichinho” era nada mais nada menos que o 5° filho do casal Damião e Suzana, que se encontrava no canal do parto naquele momento.

Moravam na zona rural desde que Damião arrendou terras para cultivo e comprou gado para produção de leite. Passara de servente de pedreiro a sitiante desde que por um golpe de sorte conseguiu a oportunidade que só se consegue uma vez na vida.

Damião viera para Formiga, com a ajuda da irmã e do cunhado, fugindo da seca e da pobreza que açoitava sua terra natal no sertão pernambucano. Em busca de oportunidades e de uma vida melhor, deixara lá, seus pais e irmãos em situação de penúria. Deixara também Suzana, a namorada, chorando na rodoviária, cena que lhe atormentou por muitos dias depois de terminada a viagem. Prometeu buscar todos eles assim que fosse possível, e, afinal, depois de muita dificuldade e sacrifícios, foi possível. Exceto, sua amada avozinha, tutora e conselheira, D. Francisca, que infelizmente, falecera. Daí para frente, com a família reunida ao seu redor e salva de um destino miserento, Damião felicitava-se pela vida que construíra. Tentava honrar sua avó rezando o salmo 23 todos os dias e seguindo seus sábios conselhos: “seja sempre um cabra honesto e trabalhador, meu filho; evite mulherada e cachaça”. Anotado, em execução diária. Além disso, quando deixara sua casa, prometeu-lhe nunca mais passar fome.

Naquele dia, ao ver sua “Riqueza” (apelido de Suzana) padecendo as dores do parto — nada de novo, visto que já haviam passado aquilo por três vezes, pois a primeira gestação foi de gêmeos — refletiu sobre a atual situação financeira do casal. Quatro meninos e mais um (ou uma) a caminho. Hora de parar com a fábrica, talvez? Suzana iria concordar? Assunto para mais tarde, pois a bolsa de sua Riqueza rompera naquele momento...

Damião apressou-se em providenciar os ajustes. Já havia levado os pequenos para a casa da mãe, que era próxima. Guardou a mala com as roupas do bebê na caminhonete e voltou para ajudar Suzana. Precisou carregá-la, pois segundo ela, o filho deles parecia já estar entre suas pernas. Parturiente devidamente acomodada no banco do veículo, pisou fundo naquele acelerador até o hospital. Damião sorria, pensando como seria bom ter mais um pequenino ou pequenina para compor a família, apesar dos apertos financeiros.

No caminho e sem alarde, Suzana anunciou que João Pedro ou Ana Francisca já estava realmente com a cabeça praticamente para fora. Damião sorriu de satisfação e disse:

— Ô xente, que beleza, minha Riqueza! Vai ser rápido então!

Suzana tinha uma leve esperança de ganhar uma filha desta vez. Chamaria Ana Francisca, por causa da avozinha querida e para homenagear a avó de Jesus. Para o caso de ser um menino, haviam escolhido o nome João Pedro para completar o time de apóstolos. Houve uma pequena discussão sobre se colocariam João, preferência do pai, ou Pedro, preferência da mãe. E para resolver a contenda, juntaram os dois. Os quatro primeiros meninos chamavam, nessa ordem, Tiago, Filipe (que eram gêmeos),  André e Matias, que recebera este nome em homenagem a Judas Iscariotes. Ninguém entendeu a homenagem, mas todos gostaram do nome.

A jovem mãezinha passou bastante mal durante a viagem até a cidade, contudo administrava bem a situação, de forma que, quando a caminhonete de Damião estacionou na porta de entrada do hospital, Suzana já estava com um menino, no caso, o João Pedro nas mãos.

Damião entrou apavorado acionando a emergência e rapidamente uma equipe de médico e enfermeiras atenderam prontamente mãe e filho, que foram levados para a sala de procedimentos.

 Entretanto, neste momento, sucedeu um fato curioso. O médico, enquanto aguardava a expulsão da placenta, espantou-se com o desespero de Suzana, que gritava e se contorcia de dores, dizendo parecer ter mais um bebê para sair. O que, de fato, era verdade e foi constatado pelo doutor. Daí a alguns minutos, a mãezinha de sexta viagem, pariu mais um menino lindo e chorão, uma grande novidade para todos, inclusive para o casal. Ficou bem claro que as consultas de pré-natal foram negligenciadas, por isso o desconhecimento da gestação gemelar, fato que desencadeou uma bronca por parte do médico.

Bronca devidamente registrada, Damião se divertia segurando os dois filhinhos no colo. Deu um beijo na esposa, dizendo:

— Minha Riqueza, parece que resolvemos o problema do nome?  

— Sim, meu Rei, o pequeno que nasceu primeiro é o João, o que veio depois, é Pedro... respondeu ela feliz e cansada.

E foi assim que ficou completo o time dos seis apóstolos de Damião e Suzana.