Opinião: Caminhar seguro

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Opinião: Caminhar seguro
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado.




Feliz o homem que vive um dia por vez e, agradecido, respira fundo a paz de momentos, e diz: estou vivo!

Em tese, é isso mesmo. O ato de respirar, por si só, nos torna seres viventes, mesmo considerando a média ponderável das horas de vida em expectativa a que estamos submetidos.

Não sei por que cargas d’água os aposentados que se entregam ao ócio tendem a viver menos e, não levem a mal, com qualidade de vida sofrível. Bom que pensassem em reconsiderações. Basta olhar em volta e dar-se à constatação.

Vejo tanta gente que se põe a caminhar nessa trilha. Não demora, um desfecho nada agradável: o nome escrito no placar da funerária para quem quiser ver e apreciar. E por ironia da sorte, estimar a vida como ela foi e é.

Fosse contar o tempo pelo tempo que tenho para me aposentar, provavelmente já estaria aposentado. Depois fazer o quê? Primeiro, a merreca de que serei vítima. Fila para recebimento de aposentadoria infinitamente pior do que o cheiro de naftalina. Ou empatam. Depois, valha-me Deus. Não me agrada a ideia bizarra do falso dolce far niente. Aquilo de fazer caminhadas à paisana. Marca e estilo de tênis que não pude ter na juventude, não se ajustando ao bermudão beirando o ridículo. E o pior: em passadas típicas, característica de cada pessoa. Quem duvidar, só botar reparo. Uns caminham altivos, respirando o ar que ainda lhes cabem respirar; outros, cabisbaixos, mais parecendo preocupar-se com o passivo dos trinta por cento (ou mais) do débito consignado nos bancos pagadores e agenciadores. E que, em chatice desenfreada, deitam propaganda por smartphones, como a de que o décimo terceiro pode lhes tirar do atoleiro, caso adiram à grande tendência dos negócios para o futuro.

Que futuro? Salvar de quê? Da artrite, artrose, bursite, hérnia hiatal, pressão alta? Se o médico prescreveu caminhada, então no pódio do patético é caminhar. Mesmo não sabendo a que título, para onde e a serventia em si. Muitos à beira da falência do placar. Ou será falência múltipla de órgãos?

 Já disse aqui. A um amigo, um generoso médico receitou duas taças de vinho por dia. Mais que depressa o paciente supôs: – ora, se duas taças fazem bem, porque não duas garrafas? Para um garrafão, um pulo. Por conta e risco, apologia ao álcool como vasodilatador, depois de tudo, um infarto e cateterismo cardíaco. Perdeu-se na inconsequência. Não de uma festiva e personalíssima caminhada. Dobrou-se ao desfecho da existência num mero expediente e sem fazer força. Lembram circunstantes históricos que ficou um a zero no placar. Só deu ele naquele plúmbeo e cinzento dia para sinceros e insinceros pêsames.

Sob respeitantes protestos, tenho comigo que a aposentadoria em diferentes aspectos é uma insolência. Despautério é pouco. Um não à avida. Ao contrário do respirar e abraçar aquilo que a natureza oferece, igualmente um não festejar-se de glórias. Um murmúrio soluçante.

Querem saber? Aposentadoria que nada. Aposentadoria cheira a mijo, uso diuturno de pijama vencido. Mingaus e papas de fim de linha. Hospital de insanas dores e picadas. E insônia. Soníferos para dormir, daí a pouco, no despropósito, perguntam se está tudo bem. Enfim, é isso.

Abaixo ao primitivo ócio e aposentadoria! E como toque de pedra filosofal e quejandos, no considerável, continuar respirando fundo e sentir-se imune e livre das amarras de morte não consentida. E a toque, antes de caixa – agora e mais – o temível, mas aceitável toque retal.

E melhor pensando, bem-vindos os tênis de todo gênero e multicores bermudões para alegoria da festa. Todavia, na incerteza do tempo, que venham em pertinente ordem. Diz a sabedoria portuguesa que “não podemos controlar os ventos, mas podemos ajusta as velas”. Seja assim, pois.

Brindemos em razão disso, no simbolismo concreto, a alegria de viver, mesmo depois do formalismo contraproducente da aposentadoria. E dizer, em altos brados, nas palavras de um outro Gonzaga: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”.

E quem for de cantar que cante; quem não for, cante assim mesmo. Já dizia o comunicador, Hélio Ribeiro, voz eloquente do rádio brasileiro, ele que marcou época no coração do nosso povo: “Melhor cantar desafinado do que chorar afinado”.

Efetivamente, podemos caminhar seguros, respirar o ar refrescante da paz e cantar em harmonia para o que vida tem de mais apropriado para todos os viventes: ela própria. Em substância e plenitude.