Opinião: Dores do mundo

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Opinião: Dores do mundo
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado.)




Em meio a vícios e virtudes, entre mentiras, dúvidas e verdades, na mídia rola todo tipo de publicidade sobre medicamentos para acabar com a dor. Quando se pergunta, no jogo da inconveniência: das dores, qual a pior?

         Não se sabe ao certo. Cada caso é um caso, cada organismo reage de um jeito, entre muitos fatores no mundo da vida que teima seguir em frente.

         A dor do parto é dura, dizem as mulheres em santa e bendita concepção. Pedreira de se aguentar são as pedras nos rins, que não ficam fora. Quem sabe, cólica biliar. Ainda, no choro de todos os bucos, a dor de dente. Se acontecer no período da noite, periga ser absorvido o álcool que não se toma.

         Existem outras, bem piores, de igual importância e preocupação. Dor é desagradável, incomoda. A qualquer tempo e modo, melhor é não ter.

         Os nazistas – na maluquice doida de tentar criar a raça ariana, a suposta raça pura da espécie humana, faziam testes em humanos. Pretendiam avaliar a intensidade da dor, com a tradicional escala de 0 a 10. Zero, sem dor; 10 a mais intensa. E na estultice do ridículo se perderam no embaraço pseudocientífico e histórico.

         Quando resolvem, nas Minas Gerais, mais precisamente num bar em Unaí, exibir o símbolo da suástica, fato que acabou virando caso de polícia. Burrice também pode, mas dói. Ambos os lados, na incompetência da validade parelha.

         Dos nazistas, no óbvio, não se chegou a nenhum resultado conclusivo. Para a Associação Internacional para o Estudo da Dor, “a dor é a experiência sensorial e emocional desagradável”. A dor continua doída, sem poder estimativo. Cada um sofre como pode e aguenta. Na demão, para santa e protetora oferta, um cobertor no limite. E saber que Deus não dá frio algum para solapar nem sequer corações!

         Interessante a questão da dor. Pelo lado psicossocial, pelo que se sabe, ninguém avaliou a intensidade da dor da fome e da miséria, da separação do ente querido, a dor do desprezo, da humilhação, a dor da desilusão, da incompreensão. É tormentoso.

         Pois é isso. Nas andanças e enxaquecas da vida, passamos por dores que nenhum remédio do melhor laboratório farmacêutico do mundo pode se sobrepor e fazer frente às angústias do cotidiano.

         No exemplo de dias passantes e comuns, a doméstica Fátima sai de seu barraco em Paraisópolis às quatro da manhã para trabalhar. Toma duas conduções para ir e três para voltar. O destino é o mesmo. De segunda a sexta, centro nervoso de São Paulo, onde presta serviços numa casa num condomínio chique.

         Na semana passada, ao adentrar à praça que dá acesso ao Terminal em que pegaria sua primeira condução, deparou-se com um maníaco sexual. De posse de uma faca, o facínora arrastou-a para um local ermo e, mediante ameaça de morte, manteve com a pobre mulher conjunção carnal. 

         Depois do episódio, em estado de choque, sem chão e estrelas para nelas se apoiar, não tendo a quem recorrer, voltou para casa sem o celular, sem a bolsa, sem os míseros reais nela contidos e sem os documentos. Agora, pela dureza da sorte, é mais do que um ser humano na desordem do anonimato.

         Depois do susto, pela insistência de amigos e vizinhos foi à Delegacia da Mulher prestar queixa, após o que ao hospital tomar o coquetel antiaids. Não pôde ir a nenhum outro lugar para aplacar a ira do desassossego do trauma. Esse não. Terá de conviver para o resto dos seus dias.

         Na escala de 0 a dez, qual será a dor de Fátima, casada, marido doente por bebida, mãe de três filhos (um especial), ter que passar por deprimente situação, sem dó, muita dor e nenhuma piedade?

         Não há remédio eficaz. E tampouco para neutralizar a escalada da violência no âmbito da sociedade brasileira, recorrente tema das reformas estruturais. E longe de pensar que medidas de exceção servem como resposta para coibir a onda crescente dos crimes no Brasil. Pelo contrário, nas vertentes de implacáveis dores, outra perigosa consequência no cotidiano da sociedade. 

         Por caminhares e andejares confusos da humanidade, no combate aos males existentes no mundo, recomendável como remédio o escudo do amor [e o respeito] como fonte e poder de cura. Mesmo porque a essência do sentimento maior continua sendo matéria-prima da natureza divina. Por que deles – o amor e o respeito – não se fazer uso nos dias de cada dia?