Opinião: Prova de Vida ou de tolerância?

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos-MG)

Opinião: Prova de Vida ou de tolerância?
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado (luizgfnegrinho@gmail.com)




Aposentado e beneficiário do INSS, fui recentemente ao Banco Mercantil de Formiga à tarde para a imprescindível Prova de Vida. Cheguei à agência poucos minutos após as 14 horas. Coisa de 20 minutos. Disseram-me: – Atendimento para esse fim só até às 14 horas.

Respondi à atendente, no ato: – Como assim, vejo funcionários no interior da agência trabalhando nos seus postos? Um daqueles não pode vir aqui me atender? Alguns ao telefone. Provavelmente avisando da necessária Prova de Vida que devemos fazer, ou, vai saber, tentando captar Crédito Consignado com pensionistas e aposentados... Ligam pra mim direto. É rapidinho, moça. Veja com a gerência.

Educadamente, cuidou de explicar:

– O que o senhor está vendo é trabalho interno. Estão colocando o serviço em dia, documentos em ordem. Sabe como é. Prova de Vida só mesmo até às 14 horas. Volte amanhã ou, se não der, na segunda. Pode ser?

Com firmeza e relutância, posicionei-me: – O fato de estar na agência, ao vivo e em cores, não constitui prova suficiente de que estou vivo? 

Num lampejo mental, bem à sua frente, em acrobático demonstrativo, fiz o tradicional “quatro”, num cruzar de pernas. E completei: – Há câmeras por todos os ângulos, testemunhas a rodo por perto. Pelo menos, umas vinte pessoas. Não é estranho isso?

Sem jeito para maiores explicações, adiantou:

 – Isso é. Pode até ter razão. Mas o senhor venha outro dia. Temos que fazer o registro, cumprir o protocolo, tirar foto. Não é como o senhor pensa.

Meio desanimado, mas vendo outras pessoas se interessarem pelo imbróglio, voltei à carga, com tudo: – Tratando-se de prova de vida, não bastaria vir aqui, demonstrar que estou vivo, inteiramente vivo, e pronto?

Já impaciente, interveio a moça atendente:

– É, mas, não é. Não posso fazer nada. Sou apenas funcionária. Obedecemos a critérios, normas, em especial quanto ao horário de atendimento.

  Fui às alturas naquele ponto, tanto crucial quanto filosófico: – Senão, vejamos, senhorita. Horário não é tempo e tempo não tem a ver com vida, a vida que levamos aqui na terra?

Perdida num cipoal de conjecturas, sem mais o que falar, prestes a me passar uma reprimenda, limitou-se a dizer:

– Como eu disse, o senhor até tem razão. Mas volte aqui amanhã, ou outro dia, na hora certa! Pode ser? Não posso fazer absolutamente nada!

Detive-me, chateado. Não sabendo por certo se poderei voltar, fiquei no gatilho do “quem sabe”. Porque, de minha parte, vou me empenhar. Sob pena de suspenderem e cortarem meu benefício, esse é o meu propósito: seguir a lei.

Depois que deixei a agência, detive-me em estado de angústia e perplexidade. E dúvida há de persistir. Posso, de fato, cravar certeza de que vou voltar no dia seguinte, na segunda, terça, quarta – sabe-se lá o dia – antes das 14 horas? Afinal de contas, o tempo não é meu, não é da atendente, do gerente, da agência bancária, não é de ninguém.

 Aprendi no Educandário Senhor Bom Jesus dos Passos e faz muito tempo – era criança ainda – que o tempo é de Deus. Em soberana pluralidade, a ele o futuro pertence. 

Aos bancos, os bilionários lucros e as costumeiras tapeações, como o procedimento bizzaro a título de prova de vida. Algo que mais parece prova de tolerância aplicada, sobretudo, em idosos, no mais das vezes, em duplicidade de sentido, não andam bem das pernas.