Opinião: RETRATO EM PRETO E BRANCO

AC de Paula (de São Paulo)

Opinião: RETRATO EM PRETO E BRANCO
AC de Paula é dramaturgo, poeta e compositor




Eu sou da geração que inventou a bolacha recheada, naquele tempo prevaleciam as bolachas maisena e Maria, aquela redonda.

Era um manjar dos deuses aquele sanduíche de bolacha com a manteiga que saia pelos buraquinhos.

Hoje tem bolacha e biscoito de tudo que é tipo enrequecidos com tudo que é vitamina, o leite era só integral e vinha em litro de vidro.

O mar era dos barcos e navios, o céu era dos aviões e a rua? A rua era da criançada., afinal onde eu morava não tinha ônibus, carro então muito menos, as vezes passava uma carroça.

Na rua a gente jogava taco, as casinhas que deveriam ser derrubadas eram feitas com gravetos, não tinha garrafa pet e para  os tacos,  qualquer pedaço de caibro estava de bom tamanho.

A bola vermelha de borracha dura que pulava feito cabrito quase todo moleque tinha, a bola de capotão era mais difícil por ser mais cara.

As disputas podiam ser gol a gol, gol livre e não tinha chinelo de dedo pra servir de trave, a gente usava pedras ou tijolos. Na disputa de pênaltis gol de bola rebatida valia dois. 

As ruas não tinham asfalto e jogávamos descalços, os boxes da bolinha de gude eram feitos também no meio da rua.

Tinha também a aventura dos carrinhos de rolimã, e as figurinhas de futebol vinham enroladas numa bala horrorosa que ninguém chupava 

As forquilhas feitas de goiabeira eram as preferidas, a gente subia escolhia a forquilha descascava ela todinha e deixava uma semana secando. 

Era difícil conseguir uma câmera de ar para para fazer as tiras de borracha do estilingue, não sei como mas tinha alguns meninos que conseguiam tripa de mico ( aquela borracha cirúrgica)  o couro onde se colocava a pedra ou a mamona a gente tirava de um tamanco velho. Os tamancos novos e o bacalhau eram pendurados nas vendas.

O óleo de cozinha, de algodão e amendoim, ficavam em tambores de latão que tinham uma bomba que enchia os litros de vidro.

Não existia cartões de débito ou crédito e as compras eram marcadas na caderneta que nossos pais pagavam no final do mês.

Tinha o turco da prestação que passava deixava a mercadoria, geralmente cobertores, sem entrada alguma e depois vinha receber todo mês. 

Tinham as brigas da turma da rua de cima com a turma da rua de baixo e a gente brigava sem saber se havia ou não algum motivo.

A vida era de casa pra escola e depois da escola pra rua. O uniforme era calça curta azul marinho e camisa branca.

Um dia o Lúcio um gordinho folgado, (hoje não pode chamar de gordo) que sentava na minha frente jogou aquela tinta roxa que ficava num tinteiro na carteira, na minha camisa imaculadamente branca lavada com anil,  e disse que foi sem querer.

Sem querer, mas eu sabia que a dona Irene não seria nada compreensiva e a surra seria certa, então, sem querer eu apontei o lápis com aquela ponta bem fininha que sem querer ficou  fincada nas costas do gordinho.

A surra pela camisa e pela chamada da minha mãe na diretoria foi uma só. Eu iria apanharr de qualquer jeito, então, dei meu jeito.

As brigas na escola eram constantes, eu sofria buling por ser baixinho, por isso batia boca com qualquer um sem me importar com o tamanho. Só não apanhava porque corria muito, mas era tenso.

Agora fico aqui pensando,  daqui a meio século qual será o retrato em preto e branco que os meninos terão do tempo de infância??