Crônica: Na casa da Liberata

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Na casa da Liberata
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Esta aconteceu com o filho do Salgado, um funcionário da Etege, uma empreiteira que trabalhava para a Construtora Andrade Gutierrez, que manteve por vários anos uma vila atrás do DER, lá perto do Bairro Água Vermelha.

Operador de máquinas pesadas, Salgado tinha um filho que só lhe trazia problemas. Tomou várias bombas na Escola Normal, sumia de casa por dias seguidos e era preso toda semana por causa de confusões nos cabarés da Rua Santo Antônio. Uma vez se atracou com um travesti chamado Lauro e acabou levando uma facada nas costas. Isso quando ainda não tinha completado 16 anos.

Como o rapazinho não sossegava, muita gente dava conselho. Uns diziam que era problema de criação, outros que era maconha, e teve até quem indicasse pai de santo para um exorcismo.

Desesperado, Salgado foi procurar auxílio científico e levou seu filho para uma consulta com o doutor Afonso, um famoso médico que trabalhava em frente ao Banco do Brasil. Não deu outra: “Leva pra Barbacena”. Em Barbacena existia um dos mais famosos sanatórios do Brasil. Em Formiga, não havia sequer psiquiatra.

Chegando lá, o pessoal foi vendo que o negócio era internar. Seria necessário que fossem feitas uma batelada de exames, trabalho de desintoxicação. Só depois se pensaria na possibilidade de recuperação. E tinha outra: seria importante afastar o rapazinho de Formiga, por causa das más companhias.

Ficou tudo acertado, e o filho do Salgado já ficou em Barbacena. Passados uns seis meses, o menino deu sinal de recuperação. Voltou para Formiga, e a primeira coisa que ele fez foi encher a cara de cachaça.

Já estava como o capeta gosta, quando resolveu passar na casa da Liberata, um cabaré que existia pertinho da vila da Etege. Só que o coitado não sabia que a tal da Liberata tinha tido um colapso e morrido há mais de um mês. No local foi morar um peão de obra que veio do interior de São Paulo. O cara era um negrão arrepiado de dois metros quadrados, que tinha esposa e três filhos pequenos.

Meio cambaleando, o rapaz entrou pelo quintal, abriu um portãozinho, chegou à cozinha e foi batendo na mesa:

__Ô putada, vamo aparecê que eu tô doido pra tirar o atraso!

Todo quebrado, o filho do Salgado só foi acordar no dia seguinte em um quarto do Hospital São Luiz. Pouco tempo depois, a Etege foi embora de Formiga, e ninguém nunca mais ouviu falar nem do Salgado nem de seu filho.