Crônica: O Centurião Dourado

AC de Paula (de São Paulo)

Crônica: O Centurião Dourado
AC de Paula é dramaturgo, poeta e compositor




O Imperador no topo do altar central erguido no gramado azul-petróleo do Stadium Intergaláctico mirava a multidão com seus olhos faiscantes.

Era intenso o brilho verde-oliva da sua armadura encantada trabalhada em titânio, e que, graças aos seus conhecimentos dos mistérios da alta magia, se transformava em uma capa de invisibilidade, bastando apenas que ele piscasse seus olhos faiscantes alternadamente por três vezes, começando com o olho esquerdo.

Ele sabia que o Centurião Dourado era o único que conhecia o segredo da sua invisibilidade que lhe havia sido bastante útil permitindo-lhe infiltrar-se entre os robôs guerreiros, conhecer seus planos secretos e as suas estratégias de batalha, isso até que o Centurião Dourado descobrisse uma forma de neutralizar o feitiço.

Quando o Imperador repeliu um ataque dos guerreiros que havia sido planejado em status ultra secreto e que não tinha como dar errado mas não havia dado certo, ficou evidente que algo estranho havia acontecido.

Então o Centurião Dourado criou um sonar de presença que captava inclusive imagens holográficas em todas as dimensões e não se espantou quando identificou nelas a figura do Imperador.

Após muitas tentativas finalmente o Centurião conseguiu descobrir como quebrar aquele encanto de invisibilidade. Num raciocínio de silogismo cósmico pautado na evidência lógica, ele encontrou o fio da meada que desmontava o feitiço do seu maior rival.

E como que para comprovar que a solução de coisas difíceis por vezes são resolvidas no âmbito da simplicidade, bastava ao Centurião piscar seus olhos três vezes de forma alternada, começando com o olho oposto ao que o Imperador usava para dar start no feitiço, para fechar o circuito mágico e interromper a eficácia do encanto.

A chave do mistério era simplesmente o piscar de olhos em uma sequência lógica; esquerdo - direito - esquerdo – direito – esquerdo – direito.

O Imperador não lidava bem com as contrariedades mas era um bom encantador de androides que se rendiam à sua oratória retórica e populista, ele era muito bom em enrolar pessoas, e fazer e conservar amigo, que rezavam o mantra da sua cartilha ideológica de uma forma cega e radical.

Nas audições semanais com os Arautos de Cristal, que tinha como único motivo vender o peixe dourado dos seus desvarios, as perguntas e respostas, seguiam um roteiro pré-estabelecido. Tudo era ensaiado meticulosamente, sorrisos, gestos, caras e bocas. No entanto a pergunta que abalou o alicerce do Pilar Interestelar que sustentava os andaimes do Portal dos Vulgares Preconceitos e ecoou pelo estádio silencioso, fora feita pelo Centurião Dourado que trajava sua armadura de gala feita com fibra de Aço Carbono 12, e trazia na mão direita um candelabro de néon.

O Imperador e o Centurião pertenciam à Confraria dos Bruxos Intergalácticos e a rivalidade entre eles vinha de longa data, começara na Central de Incubadoras Celestiais e estendera-se até a Universidade de Mistérios e Bruxarias onde no curso de mestrado ambos defenderam tese sobre Mistérios Quânticos Pós Modernos em Contraponto à Bruxaria Tradicional de Alquimia. Os ouvidos mais apurados identificaram um leve tremor na voz firme do Imperador, que, dirigindo-se ao Centurião, disse: - O senhor teria a gentileza e a coragem de repetir a pergunta?

No fundo todos sabiam que a paz das galáxias dependeria apenas e exclusivamente da decisão do Centurião Dourado, o Imperador fingindo estar firme e forte deixava mesmo a contragosto transparecer preocupação com o risco iminente. Para espanto do Imperador e da enorme multidão, o Centurião Dourado em alto e bom som repetiu a pergunta que poderia fazer explodir a revolução estelar culminando com a queda do império.

Começaria o caos?