Cronicando: Armazém do italiano

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Cronicando: Armazém do italiano
Robledo Carlos é representante comercial




Aqui se vende de tudo

fumo de rolo, canivete e peixeira,

prego, rapadura e gomeira,

chapéu, bico de arado e anzol

açúcar a granel e querosene,

cachaça, salame em taia.

Era casa das boas com cômodo de comércio, balcão de vitrine com mostruário das linhas Drima em cima.

Um cocho de frente e uma aroeira para amarrar cavalos. Um pastinho e um cavalo chamado Alazão.

Canta o sanhaço, o bem ti vi, joão de barro e o inhambú, de noite tem sapo e perilampos.

Tinha bananeira, jaboticaba, manga e laranjeiras.

Onze cachorros caçadô de tatu, tudo americano e dois galo cantadô.

Assoalho de tábua em sucupira com marcas de espora e sons de cowboys.

Lamparina pras noites em banhos de bacia de água quente esquentada no fogão de lenha.

Houveram prosas, causos de assombração, segredos e negócios de alqueires, mulas e bois.

Pra dentro tinha um lar.

Haviam crianças descalças, haviam risos e gargalhadas, noutras até palmadas.

Tinha o Sagrado Coração de Jesus, Nossa Senhora Aparecida e São Dimas.

Um terreiro, e uma vasdoura de alecrim do campo, para o capricho.

Tinha uma cozinha com linguiça pendurada sobre o fogão, queijo fresco enrolado no pano de saco de açúcar, um pilão e um gato no fogão.

Taioba, angú e feijão.

Uma bela cristaleira em cerejeira, com xícaras pintadas a mão e um almofariz de bronze pras temperanças.

Um tacho de cobre e um moedor de carne.

Na sala rezavam o terço, se abraçavam, se consolavam, cantavam... cantavam é que lá dentro tinha amor e um piano.

Em manhãs, barulhos da porta do comércio a receber os seus clientes. Dentro tinha café, farofa e biscoito quentinho.

Tinha benção a cada um ao amanhecer com sinal da cruz.

Tinha um paiol, tinha porco, galinha e abelha.

Tinha até uma Boito calibre 28 pendurada, com sabuco na ponta, para segurança.

O tempo esquece, resseca, desbota, enferruja e vai.

Quem passar por ali tem o silêncio do vento.

Talvez haja um jasmim em frente, o perfume ainda paira por lá, é só fechar os olhos.

Abrindo os olhos, só tem a poeira, mas quem nasceu ali sabe que era a casa do amor.

Domingo as vezes tinha missa, novena sempre houvera.

O sino ainda bate

A casa hoje é foto.

Hoje é só areia, areia, areia.