Opinião: As amáveis mulheres formiguenses

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: As amáveis mulheres formiguenses
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Formiga é uma cidade repleta de mulheres maravilhosas, sempre foi. Dias atrás, comentávamos, eu e meus irmãos Cecília e Toninho Maria, sobre algumas delas que foram admiráveis e que, de alguma forma, fizeram parte de nossas vidas.

Meu irmão se chama Antônio Maria Gomes Fiúza, mas era conhecido na Chapada como Toninho Maria. Quando morávamos atrás do Cemitério do Santíssimo, ele estudava no Grupo Escolar José Bernardes de Faria, uma escola primária muito bem conceituada que havia da Rua Iago Pimentel, paralela à Rua Rio de Janeiro.

Certa feita, Toninho pegou uma coqueluche daquelas de derrubar e acabou perdendo as provas de final de ano. Ele precisava de notas e tinha de fazer um requerimento para que pudesse realizar as avaliações. Havia o risco de segunda época, que era como se chamava a recuperação naquele tempo.

Assim que Toninho melhorou, mamãe, Dona Cidinha, foi à secretaria da escola tomar as providências. Lá, ela foi atendida por uma senhora alta, com porte de nobreza e voz educada chamada Aurecy Helena Toscano, nunca nos esquecemos dela. Dona Aurecy era a gentileza encarnada, tinha uma amabilidade aveludada e uma paciência incondicional. Num instante, resolveu todas as questões que mamãe apresentou; tornaram-se amigas de uma vida. Desde aquele dia, todo e qualquer problema que Toninho tinha na escola, seja de comportamento ou de saúde, num instante mamãe ficava sabendo. Dona Aurecy ia pessoalmente lá em casa. Mamãe contava que após uma reunião de pais, comentou com outras mães (antigamente, em reunião de pais só iam mães) sobre a impressão que tinha daquela funcionária que a tratava tão bem. A opinião de 100% das mães era de que realmente Dona Aurecy era de um patamar superior.

Outra mulher excepcional era a Dona Isaura Rabelo. Depois de morarmos atrás do Cemitério do Santíssimo, mudamos para atrás do Cemitério do Rosário, lá na Rua Nova.            

Era um janeiro de calor de janeiro, mamãe tinha passado na Loja do Mirabeau para pagar uma prestação de um rádio Semp (papai tinha comprado um novo para ouvir o programa dos seus amigos Toninho Torres e do Zé Torres pela “ZYB6 - Rádio Difusora Formiguense”). Quando ia subindo o Beco Protestante, rumo à Praça da matriz São Vicente Férrer, começou a ter uma insolação bem na porta da Casa Auxiliadora, uma loja de materiais de construção que havia na esquina com a Rua Silviano Brandão. Seu João Corrêa, o dono, foi quem acudiu.

Da janela de sua casa, que ficava na outra esquina, Dona Isaura viu o movimento e levou mamãe para sua casa. Ela não a conhecia, mas a tratou com um carinho que só existem em pessoas iluminadas e bondosas. Deitou mamãe em um sofá da sala, levou água gelada e a fez descansar por mais de uma hora.

Desde aquele dia, mamãe fazia questão de sempre que possível ir ver a nova parceira e confidente, passaram a ter uma relação de comadres antigas.

Dona Isaura tinha quatro filhos e os criava sozinha. Um deles, parece que o mais velho, era uma pessoa com deficiência e, já adulto, ainda vivia em um berço, merecendo o máximo de assistência. Ela cuidava dele com extrema dedicação e abdicação de todas as vaidades, era como se ele fosse um bebê. Além de delicada, Dona Isaura Rabelo também era uma mulher forte, tinha de ser muito forte. Outra amizade de uma vida.

Apesar de termos morado atrás de dois cemitérios, Dona Cidinha não gostava de velórios. Não ia de jeito nenhum, depois dava um jeito de levar conforto.

Estávamos, eu e mamãe, comprando uma fazenda de panos e uns retroses de linha na Casa Santo Antônio, quando um parente do Coronel Balbino comentou que o ex-procurador José Adolfo Pereira tinha sido sepultado um dia antes. Doutor José Adolfo havia perdido sua primeira esposa, Dona Hermengarda Fonseca, decorrente de complicações em um parto onde ela e a criancinha faleceram. Eles já tinham um filho que se chamava Olintho e era fazendeiro em Pains. BB

A segunda esposa foi Dona Maria, mulher de uma dignidade de protagonista de romance eclesiástico premiado. Tinha postura clássica, voz mansa e era muito culta e inteligente. Morava na Rua Carmela Dutra, que depois virou Ênio José Batista, logo abaixo da cadeia. Imediatamente, mamãe quis ir visitá-la.

Abrimos o portãozinho de ferro do alpendre e o barulho anunciou a chegada. Ao ver mamãe, Dona Maria caiu aos prantos. Abraçaram-se e choraram juntas.

Depois de se recompor, a simpática senhora nos levou ao escritório do Doutor José Adolfo. Lembro-me de uma mesa grande de madeira maciça, uma cadeira também de madeira que rodava o acento e ainda tinha molas, e estantes repletas de livros muito bem organizados.

Ficamos por ali a tarde toda. Entre uma xícara de café e outra, Dona Maria contou o quanto foi feliz com o ex-procurador, lamentou não terem tido filhos e revelou a sua gratidão por ele tê-la tirado da Rua Santo Antônio, que era onde funcionava a zona boêmia da cidade. Sem nenhuma vergonha de seu passado, Dona Maria contou como imaginava que seria o seu futuro. Foi uma grande e querida amiga de mamãe.

Um dia, parece que chovia, ela faleceu e foi em paz reencontrar o seu amado.