Cronicando: Izildinha
Robledo Carlos (de Divinópolis)
Minhas lembranças de um menino arteiro.
Tinha lá meus 13 anos e começava minhas curiosidades com as mulheres. Já havia me apaixonado pela minha babá, minha professora, a prima de um amigo e outras mais.
Tinha o hábito de ficar na janela da sala observando as pessoas que passavam no passeio, adorava esse vai e vem.
Um dia, passava uma vizinha minha, eu juro que nunca tinha notado nada incomum nela, até o dia que junto a mim tinha uma tia minha, mais velha e meio que fofoqueira. Depois desse dia, vi nela outro grande defeito,
além de fofoqueira era invejosa, pois essa minha tia não se casara e sempre me pareceu meio amarga, apesar de achá-la linda.
Um dia estávamos na janela e a vizinha vinha no passeio. Vestia um vestido azul claro, usava um laço vermelho amarrado na cabeça, tinha os lábios pintados de vermelho, um perfume suave, e o mais lindo de tudo que a partir daquele dia nunca mais deixaria de ver, que era o seu requebrado.
No momento em que ela passa, ela cumprimenta minha tia que responde
cordialmente.
Assim que ela passa, minha tia começa:
- Lá vai Izildinha, essa aí só sabe saracutiar, fica zanzando pra baixo e pra cima, fazendo o quê, só Deus sabe!
Eu fiquei calado, pois minha tia não estava falando para mim nem para ninguém, falava mesmo era para si própria, mal podia notar o movimento dos lábios, quase uma ventríloqua.
Fui acompanhando o requebrado de Izildinha enquanto minha tia balbuciava sobre ela.
Aquilo parece que foi em câmera lenta, o seu gingado, mandando o bumbum de um lado para o outro.
Izildinha era filha de dona Lica doceira, fazia uns doces muito bons, inclusive o meu predileto, que eram as amêndoas. Nunca soube se tinha pai, nunca havia atinado por isso.
Só sei que, a partir desse dia, eu esperaria a Izildinha passar, de preferência sozinho, sem a presença de minha tia.
Peguei o hábito, tomava banho e passava o creme Rinse que cheirava a abacate velho, penteava os cabelos, até variava o lado em que penteava só pra ver Izildinha passar, e corria para a janela, quem sabe, talvez, ela me notasse.
Ela nunca me notara, até o dia que resolvi ser mais ousado, parti os cabelos ao meio e corri para a janela.
E veio Izildinha, olhou para mim e disse:
- Que menino fofo!
Quase morri nesse momento, Izildinha estaria apaixonada por mim. Lá vai Izildinha, balançando as cadeiras.
E assim, as semanas foram passando até que um dia, no momento que ia abrir a janela, ouvi Izildinha falar com alguém, e era um homem.
-- Deixarei um vaso de flores na janela caso eu esteja sozinha. Disse Izildinha.
Fiquei quieto, despediram-se e cada um foi para um lado.
Não dormi pensando no que ela havia dito. O que significaria o vaso sobre a janela?
No dia seguinte a mesma coisa, lá vem Izildinha.
Um dia à noite, já era tarde e observei que havia um pequeno vaso de flores na janela, foi quando vi um vulto entre a sombra do poste.
Era um homem, que de espreita, sem querer ser visto, pega o vaso coloca no chão e adentra a casa de Izildinha.
Minha janela estava somente com uma pequena fresta para minha aventura de espião.
Ficou por lá uma hora e quinze minutos, havia marcado no relógio da sala de casa.
Não pude ver quem era o homem, só ouvi o barulho de seu carro, e pelo barulho era um fusca, que estava estacionado um pouco mais abaixo, debaixo de um flamboyant vermelho que tínhamos na rua.
Izildinha não saía de minha cabeça, eu pedia a Deus, queria eu ter alguns centímetros a mais, uns músculos a mais, quem sabe uma meia dúzia de fios de barba e bigode.
O que eu tinha muito, eram as minhas espinhas que mais pareciam pequenos furúnculos.
Passei a espionar Izildinha. Até que um dia observei que na casa dela havia, na parte da frente, no alto, um pequeno oratório onde ficava um santo, nunca soube qual era o santo que ali habitava.
Notei que estava acesso, era uma lampadazinha, parecia uma vela de tão fraca. Olhei a janela do quarto de Izildinha e estava aberta, e grande foi a minha surpresa ao ver que aquele homem que estava sob a luz do poste, entrou pela janela, ficou por 45 minutos e foi embora. Ele tinha deixado uma bicicleta, era igual a minha, uma Olé 70 branca, debaixo do mesmo flamboyant, pegou a bicicleta e partiu!
Eu já havia desistido do amor de Izildinha, voltei com meu penteado pro lado e procurei esquecer Izildinha, uma vez que havia chegado na minha escola uma linda menina e eu já estava apaixonado por ela.
Mas era preciso saber quem eram os homens que entravam pela janela do quarto de Izildinha. Dona Lica nunca notara nada, pois já tinha idade avançada e provavelmente dormia cedo e profundamente.
Em um dia que estava acesso o oratório e tudo sucedeu como sempre, no momento de pular a janela, o homem caiu de cara no chão e em cima do braço, ele nem gemeu, mas levantou com dificuldade, pegou a bicicleta e sem montar nela, sumiu na escuridão.
Sei que ele se feriu.
No dia seguinte, fui para a escola, e qual foi a minha surpresa ao ver o sacristão colocando uma bicicleta igual à minha dentro de um fusca igual ao que ficava debaixo do flamboyant, com o padre com o rosto ralado e a mão quebrada.
Que surpresa, o padre e o sacristão!
Eu aí pensei, quais foram os sinais que Izildinha teria a mais e eu não notara.
Eu continuava a esperar pela passagem de Izildinha em frente à minha janela e nesse dia minha tia estava presente e disse:
-Essa aí não vai casar, é muito santinha, vai ficar uma coroa igual a mim.
Dei uma risadinha, sem mover os lábios.
Pensei que de santa, Izildinha não tinha nada, apesar do padre e do sacristão.
Assim a minha vida seguiu.
Izildinha casou-se com o filho do prefeito.