Cronicando: O menino de cócoras

Robledo Carlos (de Divinópolis)

Cronicando: O menino de cócoras
Robledo Carlos é representante comercial




Foi quando enfim o carro parou

Fiquei ainda uns instantes dentro dele

Quando me retiraram, adentrei e subi em um pequeno degrau de vermelhão.

Assim fui entregue a uma mulher velha, na mesa uma pequena estátua de coruja e atrás, um pesado crucifixo.

Tinha os óculos desproporcionais ao rosto velho.

Sem fitar, me pegou pelas mãos e eu só via os nossos pés, eu de chinelo velho e ela com um sapatinho de salto baixo fazendo barulho pelo corredor mudo.

Colocaram-me em um quarto com mais algumas crianças, também mudas, com olhos de vidro, cheiravam a sabonete fedorento.

Sentei-me na cama de cócoras, fechei para o mundo, fechei de luz para mim.

Só ficava feliz em meus sonhos, mas mesmo durante o sonho, eu chorava, pois sabia que era sonho.

Eu sonhava que um dia um homem iria me buscar, andaríamos de bicicleta, comeríamos pipocas e ele pentearia meus cabelos. Me daria uma bala Chita e me desejaria "uma boa noite, meu filho".

Nos anos que se passaram, eu ainda continuava a sonhar com uma mulher que viria me buscar, me calçaria um sapato preto bem engraxado, um par de meias xadrez, um short da seleção e uma camisa do homem aranha, também me daria um beijo no rosto.

Eu sentava no chão e criava esta cena para mim, e como eu era feliz!

Só se ouviam passos por corredores e barulhos de portas de ferro que se fechavam.

Não haviam risos, muitas vezes choro contido abafado pelas próprias mãos.

Acordava de meus delírios com as lágrimas que escorriam pelo meu pescoço, frias, assim como a cama ao lado.

Esqueceram de mim... por que estou aqui? O que fiz para estar aqui?

Hoje, depois de longos anos, permaneço em sonhos, as lágrimas ainda escorrem, só que agora é pela minha barba, mas vão para o pescoço, assim como antes.

Um dia chega um senhor e pede-me para levantar a cabeça. Eu estava sentado de cócoras como sempre no pátio, era de manhã, ele tinha os sapatos engraxados, eu os vi entre meus braços.

Levantei a cabeça e o sol ofuscou a minha visão, mas mesmo assim eu disse:

- Quer ser meu pai?

Tinha eu agora 73 anos.