Opinião: Quando papai e mamãe brigaram em Formiga

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: Quando papai e mamãe brigaram em Formiga
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Meus pais se casaram em Iguatama e vieram para Formiga em 1950. Moraram na Chapada por 18 anos, depois na Rua Nova e no Centenário.

Tiveram uma vida de harmonia, companheirismo e, o mais importante, de compreensão. Tanto eu quanto meus irmãos, Cecília e Toninho Maria, pouco nos lembramos de eles terem alguma briga feia. Se havia momentos de animosidade, de deixar o amor de lado, guardavam só para eles, faziam de tudo para não nos ver tristes.

Das poucas vezes que sentimos que havia uma atmosfera de problemas, uma é inesquecível. Papai era um homem comum, desses que a gente vê passando na rua. Jair Fiúza da Cunha, Seu Coló, tinha a sinceridade dos Cunhas de Iguatama e a firmeza dos Fiúzas de Pains. Já mamãe, Maria Aparecida Gomes Fiúza, Dona Cidinha, era mulher resolvida, muito inteligente e prendada, era o sonho de qualquer homem provedor do lar. Cuidava dos filhos com zelo e cuidado desde o “levanta que está na hora” até o “vai pra cama que já está tarde”.

Pelo que lembramos, duas coisas tiravam a mamãe do sério. Uma era não cumprir horário e a outra era mentir. Não aceitava de jeito maneira.

Certa feita, papai pediu para mamãe preparar uma feijoada para o almoço de sábado. Encomendou pé, orelha e focinho de porco pro Seu Badala do Açougue e feijão preto (já catado) pro Seu Zu da Venda. Mamãe acordou cedo, colocou lenha no fogão e mandou que Toninho comprasse, e mandasse anotar, uma lata de Tang no Armazém do Vilela, depois papai passaria para pagar.

Seu Coló levantou mais cedo ainda e disse que tinha umas coisas para resolver no Centro e que quando fosse 11 e meia estaria em casa sem falta. Nesse tempo, a gente morava perto do Cemitério do Rosário. Tudo pronto, às 11 horas, a mesa já estava posta, o Tang já tinha gelado e a goiabada cascão com queijo fresco comprados durante a semana no armazém do Seu Chico Pieroni aguardando a vez da sobremesa.

Ficamos à espera de que papai apontasse subindo o morro. Deu 11h30 e nada, 11h45 e nada. Passou meio dia, meio dia e meia, uma hora, duas horas… quando ia bater três da tarde, ele apareceu. A gente já tinha comido, mamãe já tinha tirado a mesa e a bronca estava prestes a explodir.

Pedindo calma, papai disse que tinha como explicar. Mamãe garantiu que ouviria, mas que não iria aceitar mentiras de jeito nenhum.

Papai contou que quando saiu de casa (ela ainda não tinha comprado seu Fusquinha possante 1968), passou pela Lajinha para procurar o pedreiro Zé Maritaca para ele rebocar um comodozinho do quintal. Vizinhos contaram que o Maritaca estava mandando fazer um portal na oficina do Chinelo e do Pão Velho, perto do asilo.  Papai foi lá e estava fechado, o João Galinha, que trabalhava no Fórum, e o Zé das Garças, que era da Igreja Protestante, também estavam esperando. Papai delatou por ali cerca de meia hora. Aí, passou de carro o Chico do Pio perguntando se alguém sabia onde morava o Sebastião Marimbondo. Papai explicou que era no Morro do Cristo passando pelo Engenho de Serra, perto da casa do irmão do Zé da Égua. Como Seu Chico do Pio não entendia, papai se ofereceu para ir junto. No carro, havia uma caixa tipo daquelas de enxoval, parecia muito pesada. Ao chegar à casa do Seu Sebastião Marimbondo, dois chapas, o Zé Peitudo e o Fenemê, esperavam para descarregar.

Deixaram a caixa onde era para deixar e na hora de voltar, cadê? O carro apagou, papai teve de ir atrás do Relíquia Mecânico para ele ir dar uma panca ao Chico do Pio. Nisso, o tempo foi passando. Nem papai, nem Zé Peitudo, nem Fenemê voltaram com Relíquia para salvar o Chico do Pio, eles desceram do morro por onde hoje há hoje uma trincheira atrás do Clube Centenário.

Em uma esquina, perto da Caixa Federal, o Colombina estava dentro de seu carro conversando com Zezinho Guarda-Chuva. Sabendo que mamãe ficaria incomodada com a demora, papai perguntou se Colombina não o levaria pra casa. Colombina disse que sim, mas que antes teria de passar no Armazém do Cabelo Louro e que era para papai esperá-lo no Bar do Preto, um bar de sinuca que havia em cima do Tropical, na Getúlio Vargas.

Lá, papai se encontrou com o Pedrinho Lambreca, com o Vicente Laranja, com o Tião Mandioca da Prefeitura e com o Messias Mugango. O papo foi demorando, demorando, e nada de o Colombina aparecer. Aí, papai resolveu subir a Silviano Brandão na carreira. Ele iria passar na Padaria do Bacalhau para comprar pão sovado para o café de domingo, mas o Bacalhau tinha vendido a padaria pro Lauro Peroba, que resolveu não trabalhar aos sábados.

Papai subiu o morro do Colégio Santa Teresinha, passou no Bar do Caixa, tomou um copo d’água, no botequim do Zé Piorra, tomou outro para acabar de chegar. Por puro azar, ele não teve como escapar de um pé de prosa com o João Jacu que estava na janela.

Tudo muito bem explicadinho, cabisbaixo, Seu Coló teve de pegar um lençol e um travesseiro para ir dormir na sala.