Opinião: Cheiro de Mãe
Ana Pamplona (de Formiga)

A Menina adorava sentir o cheiro da Mãe. Mesmo com o marcante odor de cigarro que assinalava sua presença. Isso não a incomodava. Pelo contrário, ela gostava de sentir aquela fragrância que as mulheres fortes exalavam: suor, lavanda, cigarro, orgulho, liderança, insatisfação, intelectualidade, afeto, proteção. Era assim que a Mãe cheirava. Fortaleza.
Muitas e muitas vezes ela precisou apoiar-se na Mãe. Acalmar-se, sentindo aquele perfume tão peculiar. Muitas e muitas vezes vivenciaram juntas, situações, que, aparentemente, somente mães e filhas vivenciam.
Como quando, certa vez — e houveram outras, felizmente — a Mãe deitara a cabeça da Menina em seu colo magro para lhe catar os piolhos que assolavam sua pobre cabeça. Os dedos habilidosos apalpavam seu couro cabeludo, afastando os cabelos para procurar os animalículos insidiosos. Os dedos dela os pinçavam e ao mesmo tempo lhe puxavam fios dos cabelos provocando gritos de dor. Mas aquilo não era nada, pois ela ficaria livre da coceira enlouquecedora. Pensando bem, a Menina até gostava dos piolhos, pois eles lhe provocavam a proximidade com aquele ser complexo, cheiroso e que lhe inspirava extrema segurança.
Como também, quando certa vez, a Menina foi conhecer o mar. Era fim de tarde, o sol estava descendo esplendidamente no horizonte, pintando a água de laranja avermelhado. Bastante segura na mão da Mãe, pés afundando na areia fofa, ambas chegaram cautelosamente na beira da água. O frio que vinha de baixo a atordoou. A Mãe lhe dizia: “não olhe para baixo, respire fundo para não rodar a cabeça!” Mas ela olhava para baixo. Que mundo! Que colosso! Aquilo inspirava-lhe agora, muito medo. A maré ia e vinha, molhava-lhes os pés; pequeninos, os dela; grandes, os da Mãe. O fluxo do mar provocou-lhe forte tontura. Cambaleou. Enfraqueceu-se. Sentiu o aperto da mão calejada da Mãe na sua. A Menina ia cair, então a Mãe lhe pegou rapidamente ao colo. Sentiu-se em total segurança ao sentir o cheiro bendito...
E como também, quando certa vez, estavam visitando um parente na roça. Cansada de explorar o lugar, a Menina encontrou uma cisterna. Curiosa, aproximou-se perigosamente da beirada para olhar aquele buraco. Ela ouviu a Mãe gritar-lhe o nome, mas já era tarde. Inclinara tanto a cabeça e o corpo para baixo, que a vertigem lhe derrubara. Caiu. Afogou-se. Debateu-se naquele poço cuja profundidade era desconhecida e impensável. Tentou gritar, nada saía de sua oclusa garganta. Engoliu e respirou água. Amoleceu. Viu o céu azulado com os olhos turvos. De repente, um braço a agarrou, puxando-a para cima. A Menina nunca soube quem a retirou do poço. Seria a Mãe? Jamais ousara perguntar. Porém, acordou nos braços dela, com sua anágua lhe envolvendo o corpinho frágil, sentindo fortemente o seu cheiro — o melhor dos calmantes.
Óh, glória! Vida digna de uma estrela.
Por vezes, a Menina ainda sente o cheiro familiar. Mas, agora, já não há mais colo para apoiá-la, nem anáguas para aquecê-la, nem mãos fortes para sustentá-la. Somente o perfume inconfundível da imortalidade.