Opinião: Valores investidos em Previdência Privada podem ser penhorados

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Valores investidos em Previdência Privada podem ser penhorados
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ele, sempre preocupado com a qualidade de vida na velhice, resolveu investir em previdência privada, quando percebeu que o valor que receberia do INSS, ao se aposentar, seria insuficiente para custear suas despesas e manter seu modo de viver. Seu objetivo, ao fazer esse investimento, era assegurar um futuro tranquilo.

Aplicou um montante mais alto inicialmente e, depois, por cinco anos, continuou fazendo suas aplicações, em um valor fixo. Finalizado esse período, deixou o valor aplicado, quietinho no banco, apenas sendo acrescido dos rendimentos. Pensar que tinha esse valor reservado lhe trazia tranquilidade, principalmente porque sua pequena empresa vivia altos e baixos, e ele lidava, o tempo todo, com cobradores batendo à sua porta.

Entretanto, levou um susto quando, em um processo no qual ele estava sendo executado por uma dívida que nem da empresa era (tratava-se de uma dívida assumida pessoalmente), deparou com uma ordem judicial que autorizava a penhora de valores depositados em seu nome em fundo de previdência privada.

Ele me conta que, durante o processo, não se dispôs a quitar a dívida, não propondo nenhuma negociação de parcelamento, nem apresentando bens que pudessem ser penhorados para tal quitação. Considerava sua previdência privada a salvo, pois lhe tinham dito que valores depositados dessa forma não podem ser penhorados para pagamento de dívidas, pois são considerados de natureza alimentar. “O que é mesmo natureza alimentar? Esqueci.” – ele interrompe seu relato com essa pergunta. Respondo que são recursos necessários à manutenção da vida de uma pessoa.

Ele se agita na cadeira. Na sua opinião, é claro que os valores depositados na previdência privada dele são para sua subsistência, mas no futuro. Não os utiliza ainda, mas os utilizará.

Pergunto-lhe que montante ele tem aplicado em previdência privada. Quando ouço o valor, não consigo conter meu pensamento: “Puxa, tem esse valor investido, e não encontrou meios de honrar sua dívida, que é em valor relativamente baixo? Por que há pessoas assim, que, mesmo tendo condição de honrar suas dívidas, preferem o risco de serem acionadas juridicamente para cumprir sua obrigação?”  Eu mesma tenho uma possível resposta: talvez não acreditem que aqueles a quem devem seguirão adiante na cobrança.

Olho para ele, consciente de que estou julgando-o interiormente, mas é que tenho dificuldade de aceitar que alguém fique com algo que não é seu. Quando devemos e não pagamos, alguém, do outro lado, está sendo prejudicado. Pode ser que aquele dinheiro que não queremos pagar tenha sido conquistado com muito suor. Não temos direito de nos apossarmos do que não é nosso.

Feliz por ele não ter o dom de ler pensamentos, volto ao nosso assunto, que é o que importa no momento. Como cliente, ele precisa ser orientado.

Digo-lhe que a penhora de investimentos em previdência privada é sempre analisada caso a caso. Só se decide se são penhoráveis ou não, de acordo com a situação concreta.

Pode haver a penhora de parte do montante aplicado, se o investimento feito não estiver sendo utilizado para a sobrevivência imediata do devedor e de sua família, pois se configurará somente como uma reserva para ter renda no futuro, ou como uma forma de investir dinheiro, de aumentar o patrimônio. Não faz sentido preservar o patrimônio do devedor, enquanto o credor (aquele a quem é devido o valor) fica em prejuízo.

Por outro lado, se ficar comprovado que o valor investido em previdência privada está sendo efetivamente utilizado pelo devedor para seu sustento, sendo ou não complemento de sua aposentadoria de INSS, não ocorrerá a penhora, porque, nesse caso, ficará evidenciada a sua natureza alimentar. Nessa situação, não se autoriza a penhora para que, assim, seja preservada a dignidade do devedor.

Pelo que ele me relatou, acredito que terá dificuldade de evitar a penhora. Porém, se ele, em análise mais detalhada, descobrir que tem como demonstrar a natureza alimentar da aplicação, poderemos alegar isso. Evitar a penhora vai depender dos elementos de prova que apresentaremos em Juízo.

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com