Opinião: Quer requerer sua herança, mas é tarde demais

Maria Lucia de oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Quer requerer sua herança, mas é tarde demais
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Seu pai faleceu em 2000, sem que a reconhecesse como filha. Tinha nove anos de idade. A mãe, que é uma pessoa com poucos conhecimentos, demorou a tomar providências para buscar judicialmente o reconhecimento da paternidade. A sentença judicial que a reconheceu como filha só veio a ser publicada em 2004. Com treze anos, sendo ela, de acordo com a lei, absolutamente incapaz devido à idade; com o despreparo da mãe e com as limitações impostas por suas condições financeiras, não teve condições de ir em busca de seus direitos. Àquela altura o inventário do pai já fora finalizado e já se realizara a partilha dos bens deixados por ele.

Muitas pessoas, às quais ela contava sua história, insistiam em dizer que tinha direito de reivindicar sua herança, que o fato de já ter sido realizada a partilha não impedia isso.  Porém, o mundo da Justiça lhe parecia algo tão inacessível! Eram tantas as dificuldades diárias e ela estava tão ocupada em vencê-las que não viu o tempo passar.

Agora, já com seus 31 anos, com uma rotina mais controlada, voltou a pensar no assunto. Resolveu, então, tomar uma atitude, por isso está conversando comigo. Ela pode mesmo pedir a anulação da partilha, requerendo que seja incluída entre os herdeiros? É que, embora o pai não a  tivesse  reconhecido formalmente como filha, os irmãos sabiam da existência dela, e,  mesmo assim, não a incluíram entre os herdeiros.

Explico-lhe que o direito de petição de herança existe, sim. Um herdeiro que tenha sido deixado fora do inventário e da partilha pode requerer isso. Mesmo antes de a mãe dela ter proposto a ação de investigação de paternidade, ela poderia ter proposto a ação de petição de herança.

O que ocorre é que há um prazo legal para reivindicar esse direito. Inicia-se a sua contagem na data do falecimento do dono da herança. O pai faleceu em 2000. Começaria, na data do falecimento dele, a contagem. Porém, esse início do prazo se aplica de modo diferente ao caso dela, porque, à época, ela era menor de dezesseis anos, considerada pela lei como incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Somente passou a ser capaz quando completou dezesseis anos, e foi aí, na data de seu aniversário, em 2007, que começou a contar o prazo para ela ajuizar sua ação de petição de herança.  

Ela não o fez, infelizmente. E a lei é taxativa: esse direito de petição de herança deve ser reivindicado no máximo em dez anos. Portanto, em 2017 venceu o prazo para que ela ajuizasse a ação e tivesse chance de obter sua quota parte na herança.

Ela argumenta que alguém lhe disse que o prazo seria de vinte anos. Se o pai faleceu em 2000, não seria em 2027 que perderia o direito?

Explico-lhe que os vinte anos a que ela se refere eram previstos no antigo Código Civil de 1916, e que, em 2002, entrou em vigor um novo Código, que determina o prazo de dez anos. Ela insiste: “Então, se valia o outro Código no ano de 2000, quando meu pai faleceu, não seriam vinte anos para eu perder meu direito?” Esclareço que ela atingiu dezesseis anos em 2007, quando começou a correr o prazo e o novo Código já estava em vigor.

O Código de 2002 abre uma possibilidade que é a de, quando ele, em relação ao Código anterior, reduz o prazo (foi o que ocorreu – de vinte para dez anos) e, na data de sua entrada em vigor (10/02/2002), já tiver transcorrido metade do tempo que o outro Código estabelecia, poder prevalecer o prazo desse antigo Código. Infelizmente, não é o caso dela. Em 2002, não se haviam passado ainda para ela dez anos do prazo estabelecido no Código revogado, pois foi em 2007 que ela completou dezesseis anos e foi aí que ele passou a ser contado. Haviam-se passado apenas cinco anos após a data de entrada em vigor do novo Código.

É claro que ela fica confusa diante de tantas informações relativas a prazos, por isso explico-lhe novamente.

Não há dúvida: de acordo com a lei, seu prazo prescreveu. Já não tem mais direito a requerer sua parte na herança do pai. Ela me diz: “”Pelo visto, o tempo passa não apenas na vida.” 

É isso mesmo. No mundo jurídico, os direitos existem, mas muitos deles não estão disponíveis para sempre. O tempo recai sobre eles, punindo quem negligenciou sua reivindicação. Prazos previstos em lei não se modificam de acordo com a vontade das pessoas. Há um ditado latino que, traduzido, alerta: “O direito não socorre os que dormem.”

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com