Crônica: Jogo de macumba

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Jogo de macumba
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Macumba em futebol não é privilégio da Bahia. Na Cidade das Areias Brancas também tem. Toda vez em que há o clássico Vila x Formiga marcado, terreiros e pais de santo ficam sempre ocupados (não dá para confiar apenas na habilidade dos atletas).

Dizem que, quando os times vão jogar, as diretorias são divididas em duas: uma para “convencer” o juiz a se simpatizar com a equipe e outra para manter contatos imediatos com o sobrenatural.

Nos anos 80, o eterno e apaixonado vilense Zé Veloz, que era o presidente do clube, mandou que alguns membros da diretoria procurassem um macumbeiro muito famoso que existia em Itapecerica para que ele amarrasse as mãos de Moacir Ribeiro, que era o goleiro do Formiga. Haveria partida no domingo e o Vila jogaria em casa, no Estádio João Francisco de Paula. Não dava para perder.

Saíram cedinho para a vizinha cidade o Antônio Cajuru, o saudoso Elton Vieira e o Marão. Era uma quinta-feira e chovia muito. Chegando lá, tiveram de esperar mais de uma hora na porta do terreiro porque o Pai Jacinto, o feiticeiro, ainda não tinha levantado.

Já tava dando dez e meia, quando mandaram os três entrarem em um quarto escuro. Chegou Pai Jacinto. Um negro alto e jovem, com cara de sem vergonha. Mandou todo mundo passar óleo queimado na testa e se ajoelhar em um canto. Acendeu uma pequena fogueira com um pano que tinha um escudo do FEC pintado. Era defumador pra todo lado.

O feiticeiro então começou a pular e a fazer umas orações diferentes. De vez em quando, dava uns murros com tanta força em uma mesa cheia de velas que Marão tremia.

O cara dançava e soltava uns grunhidos. Em um certo momento, colocou um punhado de pólvora seca nas mãos, deu um tapa em cima  da fogueira e o fumação subiu. Cajuru deu sinal para  Elton para irem embora porque a coisa estava ficando feia, mas o feiticeiro ameaçou:

__Fica aí Zifiu, fica aí que Pai Jacinto vai dá benzedeira... Se Zifiu largá Pai Jacinto agora, o carro capota na vorta...

Morrendo de medo, os três assistiram a toda a cerimônia. No final, a conta: dois mil dinheiros da época. 

Com vergonha do que havia se passado, os três voltaram para a cidade e não contaram nada a ninguém, só para Zé Veloz. Placar do jogo: Vila 1 X 3 Formiga.