Crônica: O bate-bute

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: O bate-bute
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Até os mais conceituados e sérios profissionais são protagonistas, e, às vezes, vítimas de fatos que fazem a alegria da rapaziada.

Tem uma que aconteceu com o jovem advogado Aécio Coutinho - apelidado simpaticamente de Aécio Infantil, em uma lembrança do medicamento AAS para criança - e o competente Marcelo do Bradesco, que de forma esportiva não se incomoda com seu apelido de Marcelo Goiaba.

Morador do nono andar do Edifício Neném Belo, Aécio é pessoa muito sociável. Jovem sempre alerta aos acontecimentos, gosta de ficar até mais tarde nas baladas de final de semana.

Como foi entusiasmado atirador do Tiro de Guerra 04-030, Aécio guardou com carinho seu bate-bute (que tem gente que chama de coturno ou bota de militares) e sempre o usava pelas noites da cidade. Ele achava que combinava com uma calça jeans que sua tia Lúcia (Lúcia Coutinho, da faculdade) tinha dado no Natal.

Lá pelos meados dos anos 90, Marcelo Goiaba mudou-se com a família para o oitavo andar do Neném Belo, e seu quarto ficava justamente embaixo do quarto de Aécio.

Como tinha o costume de dormir cedo, Marcelo foi ficando implicado com uma chata mania de Aécio. O advogado chegava em casa lá pelas tantas e quando ia dormir tirava um pé do bate-bute e jogava num canto do quarto – “PÁ!”, tirava o outro e “PÁ!”. Era assim toda quinta, sexta e sábado. Marcelo já não estava agüentando. No melhor do sono, era sempre acordado pelo barulhada: “PÁ!”... “PÁ!”...

Certa manhã, por coincidência, os dois se encontraram sozinhos no elevador, e Marcelo não agüentou:

__Pô, Aécio, vê se não joga o bate-bute no chão do seu quarto. Toda vez você me acorda.

Sem graça, Aécio disse que não sabia que dava para ouvir no andar de baixo e prometeu que mudaria o hábito. Por uma ou duas semanas foi um sossego.

Mas teve uma sexta-feira em que houve uma festança no Bar do Zé de Souza, um cantinho animado que há no Parque de Exposições, perto da Praça da Bomba, e Aécio se esbaldou.

Já estava aparecendo um amarelado de sol quando o rapaz entrou no elevador. Tomou um copo de água gelada, foi para o quarto, tirou o  primeiro bate-bute e “PÁ!”.

Na hora, o coração doeu. Ele tinha se esquecido do pedido do amigo. Com calma, tirou o segundo bate-bute e o colocou mansamente ao lado da cama e se deitou.

Quando já estava apagando, toca o telefone. Era o Marcelo:

__Ô Aécio, vê se joga logo o outro que eu tô doido pra dormir...

Como viu que não haveria jeito, Marcelo acabou indo morar no Edifício Waleska.