Crônica: Pasta de arnica

Manoel Gandra (de Formiga/MG)

Crônica: Pasta de arnica
Manoel Gandra é poeta e jornalista




No início de 2004, o então prefeito de Formiga, Juarez Carvalho, convidou o experiente radialista Eleônio Alvarenga, o Tileoni, para ser o secretário municipal de Comunicação.

Radicado em Campo Belo, Tileoni tinha programa na “Rede Mineira de Rádio” e na “TV Bandeirantes”. Acabou ganhando fama regional e chamou a atenção da administração, que estava precisando de alguém com seu perfil de comunicador.

Assim que assumiu suas atividades, o novo secretário botou pra quebrar, fez propostas radicais de mudanças nos trabalhos, chegando a dar palpite até no layout do secretariado. O pessoal estava assim... meio velho..., era preciso dar um ar mais jovial no primeiro escalão. O controlador Marcelo Vaz, por exemplo, deveria tirar a barba, que estava quase toda branca; o chefe de Gabinete, Benjamim Belo, foi orientado a fazer uma dieta, e Jordano Vieira, procurador municipal, de bigodes seria outra pessoa.

Disse Mário de Andrade que o português descobriu o Brasil em um dia chuvoso e que, por isso, ele vestiu o índio. Se fosse em uma manhã ensolarada, o índio é que teria despido o português. E é mais ou menos o que aconteceu com Tileoni, foi o secretariado que o descobriu, e não o contrário. Ninguém levou suas idéias revolucionárias a sério, e ele desistiu.

Como que para dar exemplo, o comunicador resolveu dar um trato no próprio visual. Todo mundo levou um susto quando ele subiu as escadarias da Prefeitura de camisa vermelha de veludo, gravata de cetim amarela e um quilo de gel no cabelo, brilhava de longe. Foi uma festa.

Manhã de sol forte, calor intenso, e Tileoni impecável.

Assim que assumia as atividades, lá pelas oito e meia, o secretário ia ao banheiro com uma bolsinha de couro onde guardava seus cosméticos e retocava o cabelo.

Por muito tempo, tentaram fazer brincadeira com ele, só que não estava tendo jeito. Mas um dia, Tileoni vacilou. Havia uma reunião com um pessoal da “Rede Globo” no Gabinete, e a sua gaveta acabou ficando aberta. Na hora avisaram ao Carlinhos da Embratec, que era o secretário de Administração. Igual a um corisco, ele voou para a sala de Tileoni, abriu a gaveta, foi na bolsinha de cosmético e trocou o gel que estava em um potinho por uma pasta de arnica, própria para contusões musculares. Deixou tudo no lugar.

Lá pelas 11 horas, Tileoni deixou a reunião e avisou que teria de ir à Líder-FM dar uma entrevista. Pegou sua bolsinha, foi ao banheiro, tacou a mão no pote e lambrecou o cabelo. Saiu da Prefeitura e foi andando rumo à Praça Ferreira Pires, onde ficava a sede da “Líder-FM”. Uns cinco quarteirões.

Tileoni foi caminhando e o sol esquentando a pasta de arnica, o rapaz apertava o passo e a arnica escorrendo do lado da orelha. Foi coçando a cabeça e a arnica derretendo. A cabeça formigando, queimando, pegando fogo.

Aí veio a cena: Tileoni correndo feito louco pelas ruas, camisa vermelha de veludo, gravata de cetim amarela, bem apertada, cabelo escorrendo pasta de arnica.

O coitado só teve alívio quando chegou à sede da “Líder-FM” e enfiou a cabeça debaixo da torneira da pia da cozinha. Ele só não matou o Carlinhos da Embratec porque nunca ficou sabendo quem foi autor da façanha.