No portão do cemitério

Manoel Gandra (de Formiga)

No portão do cemitério
Manoel Gandra é poeta e jornalista




Existia em Formiga um marceneiro de primeira linha chamado Zé Roberto da Rocha. Ele era funcionário da fábrica de móveis do Felizberto Carvalho, A Confiança. Era casado com Dona Zica e pai da Flora, esposa do Emílio Gandra.

Zé Roberto era exemplo de honestidade. Pai carinhoso, avô amoroso, foi marido exemplar e profissional de fino acabamento. Muito religioso, o marceneiro não perdia velório e missa aos domingos. Praticante, mantinha o hábito de se benzer ao passar diante de templos e igrejas.

Como todo bom mineiro do interior, Zé Roberto era muito supersticioso. Não brincava com o sobrenatural e fazia de tudo para que a sua vida fosse ligada aos ensinamentos do Divino. Assim, ele estaria livre das estripulias do encardido.

Em uma sexta-feira, era Quaresma, Zé Roberto teve de ir em uma casa que ficava onde é hoje a Vila Padre Remaclo Fóxius, atrás do Cemitério do Rosário, buscar dois litros de uma cachaça que um compadre trouxe de Córrego Fundo. Era um agrado e ele não podia fazer desfeita (guardaria para tomar depois da Semana Santa).

Vestiu sua capa Ideal, daquelas que cobriam o cavaleiro e o cavalo, e seu chapéu de aba larga que foi comprado do José Azarias na Nova América. Colocou duas garrafas vazias na capanga e foi. Pegou a cachaça, bateu um dedo de prosa e, na volta, ao passar pelo cemitério, resolveu fazer uma oração para os antigos. Ajoelhou-se em frente ao imenso portão de ferro e iniciou uma Salve Rainha.

Naquela época, anos 30, apenas as ruas do Centro tinham lampião; na periferia, o brilho da Lua é que clareava os caminhos. Só que naquela noite a coisa estava feia, o breu era total. Ameaçava chover e as nuvens tampavam qualquer fiapo de amarelo.

O marceneiro acabou rezando metade de um terço. Colocou o chapéu e, quando se levantava para acabar de chegar, levou um grande susto com um raio que caiu em cima de uma peroba que ficava nos fundos do cemitério. Zé Roberto deu um grito.

Naquele momento, na rua, passava um rapaz que quase morreu do coração. Ele olhou para o cemitério e, com o clarão do raio, viu uma silhueta que se levantava aos berros. A coisa tinha um chapelão, uma imensa capa e soltava gritos.

Apavorado, o rapaz desceu correndo a ladeira que dá na Matriz São Vicente Férrer. Assustado, Zé Roberto notou que o jovem tinha visto alguma coisa e, com muito medo, saiu correndo pro seu lado. O rapaz olhava pra trás e via aquele “fantasma” de chapelão e capa Ideal voando pra cima dele. As duas garrafas de cachaça batiam uma na outra dando a impressão de que eram ossos estalando: “blect... blinc... blect...”, era raio atrás de raio, trovão atrás de trovão: “cabrum!, cabrum!”.

Quanto mais ficava com medo, mais o rapaz corria. Quanto mais ele corria, mais Zé Roberto imaginava que a coisa estava feia e apertava a carreira.

Segundo versões, a arruaça só acabou depois da Matriz, onde tiveram de seguir caminhos diferentes.