Opinião: A beleza dos pianos formiguenses

Lúcia Helena Fiuza (de Palmas-TO)

Opinião: A beleza dos pianos formiguenses
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Um grande sonho que mamãe, Dona Cidinha, alimentou foi ver pelo menos um de seus filhos como um grande instrumentista.

Em nossa casa sempre havia saraus, principalmente no tempo em que morávamos na Rua Nova. Lembro-me bem do Dalmi Cecílio declamando e tocando violão, do Estácio Vieira, do Gininho, do Bolívar Montserrat com sambas canções e do Wilson Brandão tocando acordeon. Com muita felicidade, mamãe preparava bife a palito e batatas fritas e um patê de sardinha que era servido com torradas enquanto o Seu Ricardo Torres e o cantor “Ora, Viva!” (adoro esse apelido) preparavam mais um bolero. Me salta à memória aquelas rodelas de pão velho com manteiga levadas à frigideira no fogão à lenha. Eram servidas em uma travessa colorex que ficava na mesinha de centro da sala.

Com relação ao filho mais novo, o Toninho Maria, mamãe não teve a menor chance. Ele gostava mesmo era de jogar bola no Campo do Guarani. Era de terra e ficava ao lado do Cemitério do Rosário, qualquer chute com mais força a bola caia por cima dos túmulos e ele tinha de ir buscar com seu bamba vermelho de poeira e meias arriadas. Era preciso pegar a chave do portão principal na casa da administradora daquele Campo Santo, a Dona Nina, que morava em frente.

Comigo também não teve jeito. Apesar não de não perder um só programa “É só pedir”, que o locutor Leão da Silva mantinha diariamente na “ZYB-6 - Rádio Difusora Formiguense” (era na hora do almoço), eu nunca soube entoar uma só nota afinada, não dei conta nem o famigerado “Quem quer pão? Quem quer pão?”.

Já com relação à minha irmã mais velha, a Cecília, houve um “quase lá”. No nosso tempo, havia em Formiga muito mais professoras e professores de piano do que de violão. As opções com relação à música ou eram com o maestro José Eduardo da Corporação Musical São Vicente, a banda de música da Paróquia que a gente apelidou de “Furiosa”, ou com algum pianista, havia muitos e excelentes.

Era muito curioso haver mais mocinhas aprendendo nas teclas de ébano e de marfim do que em qualquer outro instrumento em Formiga. Papai, Seu Coló, explicava que o que havia era puro machismo. Os pais e namorados sabiam que não dava para carregar aquele instrumento grandão para as serenatas, então, não havia como elas chegarem tarde em casa.

Dos três filhos, Só Cecília, nossa irmã mais velha, chegou a dar um pouquinho de alegria à mamãe. Papai era funcionário da Rede Ferroviária, nossa casa era simples, mas sem carestia das necessidades fundamentais. Apesar disso, não dava para esbanjar.

Não me lembro bem da idade da Cecília quando mamãe chegou radiante contando que uma professora de piano conhecida como Marize do Josué tinha oferecido dar aulas para ela sem cobrar. Cecília comprou um caderno no Armazém do Nadinho, que ficava na esquina da praça do Colégio Santa Terezinha com a rua da Santa Casa, e ia duas vezes por semana para a casa da Dona Marize, que ficava em uma pracinha abaixo da Matriz. Apesar da boa vontade e paciência daquela bondosa senhora, não deu certo. Cecília não era pontual e acabou por avacalhar a agenda da professora.

Depois veio a notícia de que outra professora, essa mais experiente, a Dona Lenyrce do Machadinho, também iria tentar. Ela morava perto do Banco do Brasil bem em frente ao Rio Formiga. Também de graça, ela deu umas 20 aulas para Cecília, que acabou aprendendo umas três canções. Não me recordo ao certo o motivo de não ter continuado.

Por fim, foi o professor e musicista Marconi Montoli que quis fazer de Cecília uma espécie de Arthur Moreira Lima de saias. Cecília ficou com ele uns dois anos e aprendeu outras três canções. Ela não gosta que eu comente, mas, com as três músicas ensinadas pela Dona Lenyrce do Machadinho, passou a ter seis músicas em seu vasto repertório, que é o mesmo até hoje.

PS.: Lembro-me de uns 15 professores e professoras de piano em atividades em Formiga nos anos 1960 e 1970. É uma pena saber que nenhum filho de nenhum deles sofreu influência e se tornou músico.