Opinião: Os troféus da Praça de Esportes e os do gado do Luiz Belo

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Os troféus da Praça de Esportes e os do gado do Luiz Belo
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Quando estudei na Escola Normal, tive um professor chamado José Guimarães Fonseca. Ele era alto, bem aparentado e de cabelos grisalhos, era pessoa muito séria e sóbria, ninguém brincava com dele.

Seu Zé Guimarães dava aulas de história e de desenho e, não sei como nem porque, conseguiu licença para projetar imóveis de até dois pavimentos mesmo sem ser engenheiro, era uma espécie da rábula da prancheta. Quem era aluno do Seu Zé, acabava se apaixonando pelo que ele era apaixonado, um sujeito cativante.

Certa feita, o professor pediu que a sala ficasse atenda às edificações existentes em Formiga. Falou do aspecto barroco da Matriz São Vicente Férrer e dos casarões ao seu redor, contou que a Igreja da Chapada era cópia de uma igreja europeia (por isso era tão quente e sem ventilação, típica de regiões de neve) e que Formiga, na década de 1940, teve muita influência do que foi a Art Decó. Ainda tenho guardado o caderno das aulas de desenho.

Art Decó, ensinou Seu Zé, foi um estilo artístico que surgiu na França nos anos 1920 e influenciou as artes, moda, cinema e arquitetura em toda Europa e América. Entre as suas características estavam o uso de formas geométricas, ornamentos e design abstrato. Art Decó é uma abreviação de “arts décoratifs”, Artes Decorativas, em francês.

Para envolver suas alunas, o professor começou a enumerar algumas construções em Formiga e pediu para a classe parar em frente a cada uma e analisar se conseguiria identificar os traços que caracterizariam o movimento.

Bem me lembro que foi citado a casa do Senhor Jozé Vaz, em frente ao Banco do Brasil, que tem uma sala arredondada bem geométrica, e algumas casas na Rua Professor Joaquim Rodarte, que liga a Rua Barão de Piumhi ao Hospital Santa Marta, acho que essas já foram demolidas ou descaracterizadas.

Outras influências, agora da Art Decó na Alemanha Nazista, estariam nos prédios do Grupo Escolar Joaquim Rodarte, do Tiro de Guerra, da Escola Normal e do Ginásio Antônio Vieira, que depois foi a Secretaria de Saúde (podem notar que os prédios são quiném). A Praça de Esportes, o Formiga Tênis Clube, estava na lista. Era uma segunda à tarde e fomos, eu e algumas colegas, ao Tiro de Guerra, depois, observamos atenciosamente o Joaquim Rodarte. Como naquele tempo não havia celular para fazer self, tivemos de desenhar. Realmente, as edificações são muito parecidas.

No outro dia, marcamos para nos encontrarmos na porta da Praça de Esportes. Todas as colegas chegaram, mas quem falou que conseguimos entrar? Só poderíamos se fossemos sócias, só que ninguém era.

Não esqueço da revolta quando voltamos pra aula e o professor contou que o clube tinha sido construído pelo Estado de Minas Gerais com o dinheiro dos impostos do povo, mas que só a elite da cidade tinha o direito de frequentar. Nadar, jogar basquete ou vôlei só se tivesse dinheiro, e nós não tínhamos.

No outro dia, o próprio Zé Guimarães tomou as dores.  Ele foi lá, reclamou, ameaçou… e nossa visita foi marcada. O lugar era lindo, todo com cercas vivas, tinha quadra de volei com rico jogando volei, quadra de basquete com rico jogando basquete, piscina com rico nadando e até quadra de tênis com rico jogando tênis. Ali, a classe dominante das Areias Brancas estava muito bem representada.

No prédio principal, que ficava em frente à piscina, funcionava a diretoria. Ele realmente era parecido com o Tiro de Guerra e com o Joaquim Rodarte. Em uma pequena sala que existia do lado direito, logo na entrada, havia uma porta daquelas divididas ao meio que, quando fechada a parte debaixo, servia de balcão. Ficamos impressionadas com os troféus em cima de prateleiras, eram muitos e lindos, realmente troféus de ricos.

Voltei pra casa doida para ficar rica e poder ganhar pelo menos um daqueles troféus. Falei com meu pai, Seu Coló, que quem frequentava a Praça de Esportes deveria realmente ser melhor do que quem não frequentava. Ganhavam até troféus.

Meu pai sorriu e no outro dia me levou à casa de um grande amigo seu na Praça São Vicente Férrer. Ele era um fazendeiro criador de zebu que tinha sido prefeito, se chamava Luiz Belo. Na sala da casa dele, um armário com quase vinte vezes mais troféus do que a Praça de Esportes, todos de prêmios que suas vacas, bois e bezerros ganharam em exposições agropecuárias.

Naquele dia, entendi porque existe tanta gente que prefere fazer parte do gado do que do povo. Não há dúvidas de que dá muito mais troféus.