Opinião: Tipos populares

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Tipos populares
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Assim como todo município do interior de Minas, Formiga sempre teve seus tipos populares. Geralmente, essas pessoas são a marca de uma época, de um período. Uns são divertidos, outros exóticos e uns terceiros amáveis e dedicados a causas nobres.

Toda vez que começam a ser listados os nomes daqueles que tiveram posturas interessantes que merecem registro, o que se vem à mente são pessoas humildes, simples e deficientes, tanto com problemas físicos como mentais, mas não são só eles os tipos populares. Há os inteligentes e de boa formação que de tão únicos e despojados podem figurar tranquilamente no rol dos que colaboraram para que a sociedade formiguense fosse o que é hoje.

Falar de todo mundo não dá, comento apenas sobre três que conheci bem. Começo com um tipo popular de luxo: o professor Carlos Gomide Leite. Intelectual clássico, foi o único professor de matemática e português do qual tive notícias e, o mais importante, um cara muito legal e divertido. Amigo de todos e de todas, tinha orgulho de ser membro fundador do Rotary Clube de Formiga e, com sua esposa Benedita, estava sempre envolvido em questões sociais. Contava em sala de aula que certa vez foi eleito vereador, só que renunciou ao cargo seis meses depois por causa do “baixo nível” dos vereadores de sua época. Mudou de trincheira mas não abandonou a batalha. Foi ativista, influenciador e durante a campanha do movimento Diretas Já, em 1984, subiu em palanques em Formiga e Arcos para discursar. Não foi só um tipo popular, professor Carlos foi um grande exemplo para toda a espécie humana.

Outro importante foi o senhor Pedro Silva, o Pedro Cambista. Com seis ou sete filhos, não me lembro ao certo, ele morava em uma praça logo abaixo, à esquerda, da Matriz São Vicente Férrer. Percorria as ruas da cidade oferecendo bilhetes das loterias federal e mineira. Era agradável, amável, gentil e de uma delicadeza inversamente proporcional ao árduo e difícil ofício de andar quilômetros por dia em busca do sustento de sua numerosa família. Meu pai contava que em toda sua vida nunca viu ninguém colocar um só defeito nele. Muito conhecido em todos os cantos, criou cada um dos seus com uma dignidade nobre, típica da estirpe dos homens de caráter ilibado. Não havia quem não conhecesse e não gostasse do admirável Pedro Cambista.

O poeta Petrônio de Carvalho nunca poderá ser esquecido. Boêmio convicto e praticante, era filho do seu Manoel Pinto, o Seu Bilico Contador. Petrônio trabalhou no Banco Hypotecário e foi o primeiro na cidade, ele contava com orgulho, a “mexer” com mecânica mecanográfica (o que até hoje eu não sei o que é). Com suas “paixões imaginárias e inventadas”, que só são comuns aos artistas mais sensíveis, escreveu poemas, quadras e sonetos em homenagem às mulheres mais belas de Formiga, fossem elas casadas ou não. O mais interessante era que os maridos e sua esposa Aracy não viam o ato como demonstração de safadeza ou infidelidade, era apenas a delicadeza de um artista que queria ver o mundo melhor e as pessoas mais felizes. Amante da lua, passava as noites pelos bares declamando a quem chegasse à sua mesa. Até hoje, tenho guardado com muito carinho “Soluços d’alma”, um belíssimo poema que dedicou à minha mãe.

Ahhh, como é bom reviver lembranças desses tipos populares que tanto me fizeram bem, como isso me emociona e me revigora…!

(É claro também que não me esqueço dos tipos populares nefastos, como um delegado desequilibrado e preconceituoso que cortava na marra o cabelos de jovens do meu tempo; do grande empresário que deu o tombo no seu sócio ingênuo para ficar com a firma só pra ele e do médico safado que contava na praça que quando uma garota bem aparentada ia para a consulta ele mandava tirar a blusa para melhor auscultar o seu pulmão. Desses, eu tenho é nojo.)