Opinião: A fala e a escrita
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos)
Convidado a ministrar palestra numa escola pública, depois de agradecer pelo convite, indaguei aos diretores e professores o tema que gostariam que abordasse. – “Sobre o ato de escrever. Escreve matérias para jornais, colabora em veículos de comunicação. Oportuno que discorra sobre o tema” – disseram.
Sem delongas, não me ocupei de preparativos especiais. Lembrei-me de uma questão básica: a forma natural da escrita. A escrita como representação da palavra, do que pensamos e do que sentimos.
E assim foi. E fui. À solenidade, em meio a expectativas do ato, comecei dizendo à plateia (alunos, professores e autoridades presentes) que é mais complicado aprender a escrever do que a falar.
Por outro lado, embora muitos saibam escrever com boa desenvoltura e qualidade técnica, nem sempre conseguem retratar com fidelidade as emoções. Como descrever o prazer, o medo, a ira, o ódio, a paixão, a aflição... Questões subjetivas: os sentidos e as sensações como um todo.
No contexto geral, o gênero humano dispõe de muitas habilidades. Sem sombra de dúvida, a arte de escrever é das mais bonitas ao tempo que das mais difíceis e espinhosas. Há quem chegue aos píncaros da glória em suas áreas profissionais sem o domínio desse instrumento. No entanto, quando pela frente a feitura de um singelo texto um deus nos acuda acontece. O saber ler e escrever é de fato matéria delicada. E há de se acrescentar outro elemento: a ciência da interpretação.
Não raro, há os que sabem ler e escrever. Contudo, ocorre a indisposição trágica de não saber interpretar o que está escrito. Tanto quanto – linha e análise de veracidade – outra aberração que se estende muito por aí.
Há provas da existência de nossos antepassados que nos legaram toscos desenhos feitos e trabalhados em ossos, mas nenhum de qualquer espécie de escrita.
Pelo sim e não, a escrita é, na realidade, a mais maravilhosa invenção de todos os tempos. Quando, nesta solenidade de que participei, joguei malhas de redes ao mar do saber e do conhecimento, em busca de auspicioso auditório.
O que acham que “acharam” da minha palestra? Poderão dizer: “Maravilhosa! Aplaudido... E de pé!”. Menos. Não foi bem assim. Longe disso. Usei de astúcia.
Numa esperteza à [moda] Zeca Pagodinho, dediquei 20 minutos de minha fala à escrita – esse o desiderato – os demais 40 minutos consagrei-os ao futebol, pagode, funk, hip-rock, rap, forró, músicas dos universitários, piadas, e coisas do gênero.
Até mesmo às musas de Ezinho Joele fiz menção. Ele que, mediante “ossos do ofício”, anda aprontando nas redes sociais, tirando velhos de catacumbas. Enfim, quase nada a ver com a escrita, se bem que consagrado está que ler e escrever têm muito a ver.
Querem saber? Tudo transcorreu dentro da mais absoluta normalidade. Não obviamente nos conformes das mil maravilhas. Isto, sim, na limitação do que se pôde dar.
A vida continua. A esperança é de que na contabilidade do rentável – na efervescência – dá mostras de que é bela. E de que vale a pena ser vivida, com ou sem Fernando Pessoa em líricos pedaços de doce vagares. A despeito de pedras tantas de tropeço a permear estradas de cada caminho, momento e empreitada.
Assim como as nuvens, numa filosofia pra lá de boa, o hoje está de um jeito, amanhã de outro... Isso quando o brigadeiro não resolve dar as caras para azucrinar o céu que, por igual, a cada hora se apresenta de uma forma e maneira, no objetivo sempre presente e agradável de enfeitar a natureza e nossas vidas de cada dia.
Como samba de alegoria de outrora, vamos tocando o enredo e o barco. Hoje pode. Amanhã, a bem verdade, não se sabe. Não há notícia, enfim. E o ontem, por constranger, desliga-se da tomada. Passou. E a vida, como que em operação de rescaldo, segue.
Entre chorar e sorrir, rir continua um santo remédio. Na aritmética da vida, a história dos músculos faciais é verdadeira. Para o bem-estar, o riso de fato retarda o aparecimento de rugas. E assim se evitam rusgas.