Opinião: A vergonha que a Praça de Esportes esconde

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: A vergonha que a Praça de Esportes esconde
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Quando crianças, o meu sonho e de meus irmãos Cecília e Toninho Maria era podermos frequentar a Praça de Esportes, o Formiga Tênis Clube, ou só FTC.

Papai, Jair Fiúza da Cunha, o Seu Coló, era funcionário da Rede Ferroviária e quando veio de Iguatama para Formiga logo pensou em nos colocar em uma boa escola, praticar esportes não era prioridade. Tentamos várias vezes que ele se sensibilizasse e comprasse uma cota, mas nunca sobrou nada para o luxo.

O clube fica logo depois da Ponte da Rua do Quinzinho, ele existe até hoje. O FTC era, no fim dos anos 1960 e início de 1970, um lugar frequentado apenas pela elite formiguense. Apesar de ter sido construído com recursos do Governo Estadual, portanto, com dinheiro público, não era para todo mundo, era só para filhos de empresários, médicos e funcionários em altos cargos. Pobre só entrava para buscar água potável em um poço artesiano que ficava logo na entrada dos vestiários, antes da piscina (pelo menos isso, né…).

O tempo foi passando e os filhos do Seu Coló, crescendo, acabaram por desistir de vestir a camisa do FTC. Aquilo não era para nós; bem me lembro dos comentários de que a diretoria e funcionários não faziam a menor questão de quem não era filho de dono de loja, dentista ou funcionário do Banco do Brasil.

Vez por outra, ainda pequenos, quando ouvíamos que havia competições contra alguma cidade da região, a gente, com poucas oportunidades de lazer, acabava indo.

Não me lembro bem o ano, acho que meados dos anos 1960, a Escola Normal, onde estudávamos, fez uma espécie de convênio com o clube para que nossa educação física fosse lá. Tínhamos aulas de português, francês, ciências e outras matérias de manhã na Escola e, duas vezes por semana, educação física nas dependências do FTC. Era triste quando acabavam-se as atividades e tínhamos de deixar as dependências do clube para que os associados assumissem o domínio da piscina e das quadras.

Por alguns anos, aquela vontade de pertencimento nos tocou, mas amigos que fizemos mais tarde nos relataram o que acontecia entre os atletas durante viagens para campeonatos. Assustador.

Existia entre as equipes de vôlei, basquete e natação (masculinas e femininas) a tradição de uma espécie de tortura. Acredite quem quiser, mas se era a primeira vez que algum jovem integrava qualquer uma das equipes, ele sofria uma iniciação, também chamada de “trote”. Nos homens, chegavam a enfiar pasta dental do ânus e espremer para arder; nas mulheres, as “brincadeiras” era com Sonrisal e Alka-Seltser… dá para imaginar…? Tudo à força bruta, com rodinha e plateia aplaudindo aos urros como sádicos em coliseus da antiguidade.

Era uma tragédia e um desespero que atormentavam as noites dos adolescentes calouros que estavam para viajar. Depois do acontecido, talvez por medo ou vergonha, uns acabavam por não denunciar e outros desistiam do esporte. O problema é que alguns hipócritas continuavam e mantinham a desumana tradição.

Sei de casos de atrocidades semelhantes até o fim dos anos 1970, mas há quem garanta que elas ainda aconteceram por muito mais tempo, e o pior, com a conivência de técnicos, uns verdadeiros perversos de vista grossa. É uma pena e uma vergonha, mas alguns desses asquerosos cúmplices das barbáries são lembrados até hoje como pessoas do bem e incentivadores do esporte enquanto deveriam responder criminalmente.

Deus queira que a Praça de Esportes de hoje esteja livre da tradição medieval.