Opinião: A torcida da copa e o desfile da Rodera

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte/MG)

Opinião: A torcida da copa e o desfile da Rodera
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Antes de o Brasil ter perdido para a Croácia nos pênaltis na sexta-feira da semana passada, o jornalista Mauro Cézar Pereira publicou no portal “Terra”: “Se depender desse pessoal para empurrar a Seleção Brasileira, Tite terá problemas. O desânimo padrão da torcida que se propõe a apoiar o time da CBF é esse aí”. Segundo ele, parece que nunca houve uma torcida tão sem energia. A afirmativa é fácil de entender.

Saiu no UOL que uma conta básica, considerando valores de passagens aéreas, hospedagem em hotéis credenciados pela Fifa, ingressos e despesas em geral com a estadia 12 dias em Doha, aponta um gasto, como ponto de partida e sem luxo, na casa dos R$ 40 mil para uma pessoa. Se quiser um pouco mais de folga, dá para orçar entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. O valor escalona à medida que o tempo passa e dependendo do nível de acomodação que se busca. Há o caso de uma família, pai, mãe e um filho, que vai gastar R$ 250 mil. Em outras palavras, não há brasileiro pobre no Catar (ou voltando de lá).

Brincar de pobre sempre foi uma diversão apreciada por gente rica, comentei com meus parentes de Formiga. O pessoal que foi pro Catar nunca esteve em uma geral do Maracanã, Mineirão ou Serra Dourada. É o pessoal coxinha das arquibancadas do Minas Tênis Clube que nunca vibrou no meio do povão, que nunca se viu no meio do povão.

Essas famílias que andavam com camisas da Seleção Brasileira nas portas dos quartéis nem precisaram de trocar de roupa, foram direto pro Catar deixando seus representantes e fãs tomando água de enxurrada e segurando barraca para o vento não levar. Foram com total segurança porque sabiam que nas arquibancadas de Doha não haveria ninguém de classe inferior, não haveria ninguém “sem classe”. Esse pessoal enferrujado de nascença não sabe gritar, pular e incentivar, isso não faz parte da história de vida (e que vida!).

Quem foi à Copa do Mundo, na verdade, foi fazer turismo (afinal, ninguém é de ferro, como diria o colunista François Khouri). Poderia aquela gente estar na Disneylândia ou em um café em Paris que seria a mesma coisa. A diferença é que em Orlando ou na Champs Elysées brincar de pobre não tem a menor graça. O divertido é na copa, o bom é ter mais vivendo a experiência de quem tem menos.

Mantendo o sarcasmo em dia, um amigo muito irônico e inteligente me mandou, no sábado de manhã, um vídeo do carnaval de rua de Formiga de 1988. Ele está no face e no youtube. Na filmagem, vi muita gente amiga e conhecida e, confesso, quase morri de saudades. O desfile foi lindo.

Pois é, foi aí que tal amigo mandou que eu prestasse atenção (olha que maldade) no desfile da Escola de Samba Rodera. Ele foi enumerando um a um que aparecia e contando como muitos (nem todos, é claro) estavam na mesma situação da torcida brasileira no Catar: brincando de pobre.

Confesso que na hora não concordei 100%. Aí, meu amigo fez questão de dizer que assim como o Brasil perdeu a copa, a Rodera tinha perdido o carnaval. Brincar de brincar carnaval e sambar como pobre realmente não é fácil.

Admito que no fim da conversa não deixei de dar aquela risadinha de canto de boca, mas mantive a negativa garantindo que não era bem assim. Afinal, quem sou eu pra ficar provocando e alfinetando alguém?