Opinião: Os bloquetes da Rua Neném Belo

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Os bloquetes da Rua Neném Belo
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Inteligência foi o que sobrou com folga na trajetória do ex-prefeito Ninico Resende. Como se dizia, ela não dava ponto sem nó. Uma vez, eu presenciei uma das suas que me marcaram e que bem caracterizam a sua astúcia política.

Lá pelo fim dos anos 1970, existia um senhor que morava na Rua Neném Belo, aquela que fica atrás do Campo do Vila, que se chamava Orote, como o nome era muito raro, nunca me esqueci. Seu Orote era dos mais ferrenhos adversários políticos de Ninico, não aceitava conversar e sempre que ouvia algum elogio ao então mandatário do Executivo, rapidamente lembrava dos feitos dos ex-prefeitos Mariano Silva, Arnaldo Barbosa e Lufrido Nascimento. “Eram muito melhores”, bradava para quem quisesse ouvir. Não tinha jeito, aquele senhor austero e com dignidade de sobra não arredava um centímetro de suas opiniões adversas ao prefeito.

Pois é, certa feita, chegou uma empresa à cidade com uma novidade: o bloquete. No município, todas as ruas eram calçadas com paralelepípedos e aquela peça sextavada de concreto era a coqueluche de vários municípios, principalmente os maiores e mais desenvolvidos.

Ninico ficou super entusiasmado, só que os recursos da prefeitura eram poucos. Ele saiu de Formiga, foi para Belo Horizonte e procurou o deputado que lhe dava apoio, ele era de Oliveira e se chamava Emílio Haddad. No mesmo dia, Haddad deu o sinal verde e garantiu que Formiga poderia contar com recursos para calçar pelo menos uma rua.

De volta, o prefeito se reuniu com o seu secretário de Obras, Amri Diniz, e ficou estabelecido que a rua que seria calçada seria a Neném Belo. Ela ia do Bairro do Quinzinho à saída para Campo Belo e onde não estava coberta de mato, estava repleta de buracos. Ela daria muita visibilidade se fosse calçada.

A Prefeitura comprou os bloquetes e dois calceteiros, Seu Ulisse e Seu Onofre, foram treinados para a empreitada. Era uma sexta-feira e a ordem de serviço apareceu para que os trabalhos começassem na segunda. Foi aí que Ninico fez das suas.

Ele chamou meu pai, Seu Coló, e o genro do Seu Orote, o Rubens de Ázara, este seu amigo, e combinou com eles de se encontrarem na porta da casa do irredutível morador da Neném Belo. Era sábado na hora do almoço e Ninico bateu palmas na porta da cozinha, Seu Orote apareceu e não teve como, mandou todo mundo acabar de chegar. Ninico pediu uma água e foi logo comentando:

_ Seu Orote, como é que o senhor não reclama desta rua, olha o mato crescendo, a poeira, os buracos. Nossa Senhora, na época de chuva deve ser uma lama só. Pode deixar comigo, na segunda-feira eu vou mandar calçar, vou falar com o Amri para começar bem cedo.

É claro que, na hora, Seu Orote não acreditou, mas quando foi na madrugada de domingo para segunda, caminhões de areias e de bloquetes chegaram. A postos, Seu Ulisses, Seu Onofre e ajudantes iniciaram a empreitada. Em menos de três meses, a Rua Neném Belo se tornou a primeira de Formiga com bloquetes, passou a ser a rua mais bonita da cidade.

No dia da inauguração (isso mesmo, Ninico inaugurava até calçamento), teve faixa de agradecimento, foguetório e frango com quiabo, que Ninico apreciava muito. Tudo patrocinado pelo agora antigo adversário de Ninico Resende.

Daquele dia em diante, falar mal de Ninico era caçar briga com Seu Orote.