Opinião: Formiga e ‘As brigadas informam’

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte/MG)

Opinião: Formiga e ‘As brigadas informam’
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Conheci o ex-prefeito Ninico Resende quando ele ainda era vereador. Meu pai, o Seu Coló, era amigo e sempre o visitava em um pequeno comércio no Bairro do Engenho de Serra.

Não sei se o estabelecimento era uma armazém ou um bar, lembro apenas que era muito simples, mas que dava para acolher os fregueses e o eleitorado. Nas vezes que passei por lá, estava sempre cheio.

Eu tinha vinte e poucos anos quando Ninico resolveu ser candidato a prefeito. Lembro-me bem de meu pai engajado na campanha e pedindo votos para nossos vizinhos. Muito popular, o então vereador era homem simples, não fazia parte de nenhuma família tradicional nem abastada, não tinha cota do Clube Centenário, não comprava nas lojas da Silviano Brandão, da Barão de Piumhi ou da Praça Getúlio Vargas.

Assim que começaram as campanhas, o pessoal da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido que apoiava a ditadura e que tinha dois candidatos, veio pra cima de Ninico, que era do MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Tudo o que se podia expressar de preconceito foi usado contra ele. Para começar, o chamavam constantemente de macumbeiro e de anticatólico, já que vendia velas e defumadores em seu acanhado comércio. Não ser católico naquele tempo era como se fosse um crime.

Muito hábil, o vereador usou como arma o que falavam contra ele. Quando diziam que era macumbeiro, ele colocava para tocar no carro de som do Celso Murari o grande sucesso do sambista paulista Luiz Américo: “Sou fio da véia / eu não pego nada. / A véia tem força / na encruzilhada”. Os ataques viraram piada.

O ano era 1976 e, apesar de naquele tempo não haver pesquisas, foi ficando cada vez mais nítido que Ninico seria o vencedor, só se falava dele. Foi aí que começaram a aparecer boletins apócrifos nas portas das casas durante as madrugadas. Eles eram intitulados “As brigadas informam”. Tudo o que se podia falar de mal de Ninico era impresso como alerta à cidade. Diziam que ele não tinha estudado, que era ignorante, que não era formiguense (ele nasceu em Camacho) e que “nem conseguiu ganhar dinheiro em seu comércio” e que, por isso, estaria tentando ser prefeito para “roubar”. Um horror.

Os correligionários de Ninico procuraram e descobriram em qual gráfica os boletins estavam sendo impressos. Era uma muito conhecida na cidade de Divinópolis. Pensaram em identificar e denunciar os autores dos panfletos anônimos, só que Ninico não deixou. Ele teve uma ideia genial.

Em frente ao Fórum, na Rua Silviano Brandão, funcionava a Foto Cíntia do Pedro Soraggi, o Pedro Retratista. Pedro era dos mais engajados apoiadores de Ninico e, a pedido dele, convocou meu pai, o Dr. Ênio Batista, o Claudinê dos Santos, o Fernando do Manelito e o Zigão da Casa Cruzeiro. Juntos, eles redigiram um panfleto como se fosse de autoria das tais “brigadas”. Um boletim falando “mal” de Ninico feito pela turma do Ninico foi impresso na mesma gráfica em Divinópolis utilizando o mesmo formato e os mesmos tipos.

Na manhã do dia do último comício de Ninico, que foi na Praça Getúlio Vargas, os boletins foram distribuídos como se fossem dos adversários dele. Era igualzinho.

O boletim fake das “brigadas” só tinha absurdos, dizia que Ninico iria construir uma praia popular para os “pobres” e que iria sujar as águas da Lagoa do Fundão e prejudicar os associados do Country Clube. Durante o comício, Ninico leu o boletim e quase aos prantos dizia para a multidão que a Lagoa do Fundão era de toda a cidade e não só dos “ricos”. Aplausos e gritos de “urrra”.

Lá estava que Ninico, como era “de canto de rua”, iria se preocupar com os bairros e nem se lembrar do Centro da cidade, onde estavam “as principais e mais bonitas lojas e casas da cidade”. Dá para imaginar Ninico falando que iria mesmo se preocupar com as periferias e que os “ricos” do Centro queriam a Prefeitura só para eles.

O panfleto alegava que Ninico era cachaceiro, que gostava de pé de porco e de torresmo. Foi um espetáculo ouvi-lo em cima do caminhão que servia de palanque dizendo que se os “ricos” podiam tomar seus uísques importados com amendoim sem casca e queijo com azeite e orégano, por que os “pobres” não poderiam tomar uma cachacinha no fim do dia? “Nem isso querem deixar para os pobres…!” A Praça Getúlio Vargas veio abaixo.

Foram 12 “ataques” contra o candidato do MDB, todos elaborados e redigidos criteriosamente para levantar a bola para ele chutar.

No dia 15 de novembro houve as eleições, a rua do Fórum teve de ter o trânsito desviado. Os escrutinadores começaram a abrir as urnas de lona verde e não deu outra: Ninico eleito com 1.200 votos a mais do que a soma dos dois candidatos da Arena.