Opinião: Começou seu estágio remunerado, e o pai não quer mais pagar a pensão alimentícia

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Começou seu estágio remunerado, e o pai não quer mais pagar a pensão alimentícia
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Ela é fruto do primeiro casamento do pai. Embora ele exerça uma função de destaque na Polícia Civil, tenha estabilidade e um bom salário, nunca escondeu o incômodo que lhe causava o fato de ter de arcar com a pensão alimentícia, determinada judicialmente em percentual de 28% dos seus rendimentos. Quando ela foi aprovada no vestibular, ele, em lugar de celebrar o fato, esbravejou, pois tinha conhecimento de que teria de continuar a cumprir essa obrigação até ela finalizar o curso.

Foram muitas as vezes em que ela se sentiu magoada, ouvindo-o dizer que pagar pensão o onerava muito, pois ele tinha outros compromissos com sua segunda família e com os dois outros filhos que teve. Isso se repetiu tanto que, aos poucos, ela foi desenvolvendo uma blindagem emocional. Passou a ouvir, sem sofrer, as reclamações dele quanto a contribuir para o sustento e os estudos dela. Ela sempre teve consciência de que tanto a mãe quanto o pai têm obrigação de assistir os filhos e prover-lhes as melhores condições para uma existência digna.

Agora, no último período do seu curso, ela foi aprovada em uma seleção para estágio remunerado. O pai, imediatamente, ajuizou uma ação de exoneração de alimentos, alegando que ela havia atingido a maioridade e estava trabalhando, podendo, muito bem, assumir a própria subsistência. Segundo ela, essa afirmativa do pai não corresponde à realidade, pois a bolsa auxílio que recebe no estágio não é suficiente nem para cobrir a mensalidade escolar.

Por isso, quer saber se existe algum fundamento legal para ela se defender nessa situação.

Explico-lhe que, quando o filho atinge a maioridade civil, extingue-se o poder familiar, e a manutenção da obrigação de pagar a pensão alimentícia passa a ser decorrente do parentesco civil. Atingir a maioridade não autoriza a exoneração automática da obrigação do pai. Porém, ele continuará obrigado a cumpri-la somente se ela comprovar sua necessidade e a possibilidade dele de continuar assumindo-a.

Pelo que ela me relatou, ele tem salário acima de vinte mil reais, enquanto a remuneração dela no estágio não cobre sequer a mensalidade escolar. Ele terá de provar em juízo que ela não mais necessita da pensão alimentícia para seu sustento, assim como deverá provar que sua condição financeira de cumprir essa obrigação já não é mais a mesma. Ela ainda não concluiu seu curso de graduação, ou seja, ainda não colou grau (para isso, precisa concluir as disciplinas de estágio supervisionado e cumprir todas as horas complementares exigidas no curso).

O estágio que conseguiu é indicativo de que está em fase de capacitação para o mercado de trabalho, e não que já está inserida neste. O estágio não significa que ela já se inseriu nesse mercado, ou que tenha alcançado autonomia financeira. Quando ela terminar o curso, o estágio cessará.

A inserção no mercado de trabalho exige tempo, muitas vezes. É por isso, que, segundo o entendimento de alguns Tribunais, mesmo que ela já tivesse finalizado o curso, mas não ficasse comprovado, sem sombra de dúvida, que ela não mais necessita da pensão alimentícia, o pai teria de continuar a cumprir essa obrigação. Assim também se entende que, se o filho cursa ensino superior, e fica comprovado que ele tem uma atividade remunerada que lhe permite o autossustento, o pai poderá ser desonerado da obrigação alimentar.

Cada caso é um caso. O dela tem a seu favor alguns elementos: ela é, de fato, estudante de ensino superior; tem menos de vinte e quatro anos; recebe remuneração no seu estágio, mas esta é insuficiente, inclusive, para custear a mensalidade escolar; as condições financeiras do pai não mudaram. Conseguindo comprovar isso, demonstrando que ela continua não tendo condições de se autossustentar, provavelmente o Juízo manterá a pensão.

É claro que a obrigação alimentar não é um dever eterno de sustento. Ela não foi concebida para estimular a dependência dos filhos, mas, sim, para prover-lhes o necessário para seu sustento e para seu desenvolvimento.

Apenas para exemplificar, um filho que termina seu curso superior e está em plenas condições de saúde para trabalhar, mas, ao invés disso, continua a estudar, fazendo cursos de pós-graduação, um após o outro, exigindo que o pai continue a lhe pagar pensão alimentícia, sob a alegação de ser um estudante, certamente não terá sua reivindicação reconhecida judicialmente.

Ela me diz que esse não é o perfil dela. Está estudando, fazendo seu estágio remunerado e pretende, tão logo conclua seu curso superior, inserir-se no mercado de trabalho. Já lhe custou (e custa) muito sofrimento ser vista pelo pai apenas como fonte de despesa, e não como filha. Ela tem razão: quem é feliz recebendo dinheiro “chorado”?

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

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