Opinião: A mãe viajou e deparou com hotel não reservado

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: A mãe viajou e deparou com hotel não reservado
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




A mãe é viúva, tem setenta anos, é aposentada e muito caseira. Preocupa-se com ela, que passa os dias em casa, saindo apenas para ir à igreja e visitar algum parente. Amigos a visitam semanalmente para uma partida de buraco. É apenas esse o lazer com que se presenteia.

Ao saber que duas amigas da mãe haviam adquirido um pacote de viagem para Portugal, conversou com ela e propôs que fosse também. Seria seu presente de aniversário para ela. Precisou insistir para vencer sua inatividade e acomodação.

Procuraram a mesma agência que vendera os pacotes de viagem para as amigas e, depois de conhecidos os valores, repassou à mãe a quantia necessária para que ela pudesse pagar o pacote e custear despesas diárias naquele país. O pacote cobria as passagens aéreas, hospedagem de três dias em Lisboa, tour nessa cidade, em Óbidos, Nazaré, Batalha e Fátima, além de cruzeiro de sete dias passando pela Espanha e Itália, com todas as refeições inclusas.

Recebeu um telefonema da mãe, assim que esta chegou ao hotel em Lisboa. Estava muito aflita, à beira do choro. A pobre senhora se deparara com a informação de que não havia nenhuma reserva em seu nome nem no nome das duas amigas no hotel que a agência de viagens lhes passara. Contou-lhe que tentaram resolver o assunto diretamente na recepção do hotel, mas o atendente disse que não poderia ajudá-las porque o estabelecimento estava lotado. Mesmo que elas pagassem particularmente por um quarto, não haveria como resolver a questão.

Do lado de cá, ficou imaginado a angústia da mãe. Coitada... nunca fizera uma viagem internacional, e, logo na primeira vez, acontecia aquilo... Pediu que tivesse calma, que ela tentaria resolver com a agência e lhe daria um retorno. Para sua surpresa, a agência se negou a tentar resolver o problema da reserva, dizendo que era uma simples intermediadora  de serviços, que o hotel era o responsável pelo transtorno, e que era com ele que as três teriam de resolver a questão.

Preocupada com a mãe e vendo que não adiantaria continuar discutindo o assunto, enviou uma mensagem de WhatsApp para a agência, registrando o ocorrido, a tentativa feita para que solucionasse com o hotel o problema da reserva, a negativa em intervir buscando uma solução, enfim, toda a conversa que havia tido. Informou também que, assim que a mãe e as amigas retornassem, iriam à agência discutir o assunto pessoalmente.

Retornou a ligação para a mãe, e sugeriu a ela que pedissem a ajuda do atendente para que indicasse um hotel em que elas pudessem buscar vaga. Pediu que usasse seu cartão de crédito para pagar outro hotel e guardasse notas fiscais e recibos de despesas geradas pela falha na reserva. A mãe ficou mais tensa ainda, pois soubera que seria difícil encontrar vaga em outros hotéis devido a um importante congresso que ocorria naquela semana. Tentou acalmá-la, embora, do lado de cá, também já estivesse tomada pela preocupação, pois a pressão arterial da mãe poderia elevar-se, e a coisa toda se agravar. 

Foi monitorando, por telefonemas, as tentativas de busca de vagas. Já passava da meia-noite quando elas conseguiram hospedar-se em outro hotel. Telefonaram para o responsável pelo tour terrestre que as havia encontrado no aeroporto e lhe contaram tudo. Passaram-lhe o endereço do novo hotel em que estavam e lhe disseram que não tinham condição física nem psicológica de participar do passeio do dia seguinte. Combinaram que ele as buscaria para o passeio dos outros dois dias.

Depois que a mãe e as amigas retornaram da viagem, foram à agência em busca do ressarcimento das despesas. Esta manteve sua alegação de que a responsabilidade era do hotel, que foram elas que o escolheram, portanto nada havia a ser ressarcido. Só aí se deram conta de que tudo lhes tinha sido passado oralmente, portanto era a palavra da agência contra a palavra delas. Elas não tinham em mão nenhum folheto ou alguma mensagem de e-mail ou WhatsApp que descrevessem o que estava incluso no pacote.

Inconformada, é esse relato que ela me faz. Quer saber se existe alguma maneira de responsabilizar a agência de viagens, de fazê-la responder pelas despesas que a mãe teve com a reserva de outro hotel.

Respondo-lhe que é possível, sim, ajuizar uma ação de indenização não apenas por danos materiais, mas também por danos morais. Houve, por parte da agência, uma evidente falha no dever de prestar informações adequadas sobre a viagem. Isso gerou aflição, angústia e frustração de expectativas. Ao atuar como intermediadora entre o hotel (fornecedor do serviço) e o consumidor, a agência se torna parte da cadeia de serviços, portanto responde solidariamente por algum dano que for causado a este.

Ela sorri. Tem uma boa notícia para a mãe.

 

 

Maria Lucia de Oliveira Andrade

maluoliveiraadv201322@gmail.com