Opinião: Formiga e a infelicidade dos nomes

Lúcia Helena Fiúza (de Belo Horizonte)

Opinião: Formiga e a infelicidade dos nomes
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Se alguém quisesse ver minha mãe incomodada era só chamá-la de Aparecida do Coló. Para quem não conheceu, meu pai era Jair Fiúza da Costa, que ficou conhecido em Formiga como Seu Coló.

         Mamãe era dessas mulheres que não aceitavam ser de alguém, ainda mais de homem. Falava em casa que algumas de suas amigas, como a Lourdinha do Pininho, a Luzia do Zé Roberto e a Ruth do Zé das Garças, não deveriam aceitar passivamente o fato de serem conhecidas como propriedade já que, além do nome, tinham sobrenome.

         De fato, mamãe tinha uma certa razão de não querer que a mulher fosse de alguém ao invés de ser alguém. Porém, o que Dona Maria Aparecida Gomes Fiúza não atinou é que em Formiga é comum as pessoas, sejam homens ou mulheres, serem identificadas e chamadas por algum complemento nominal. E não precisa ser só do marido, tem quem levasse o nome da esposa (como o Odilon da Luzia Rodarte e o Tonico da Dionéia), da profissão (como o Joaquim Tintureiro e o Pedro Cambista), e do comércio (como o Otaviano da Farmácia e o Lack da Padaria).

         Em Formiga, a questão de nomenclaturas inadequadas vai por outros caminhos. Por exemplo, ninguém pode explicar o porquê de haver no Centro da cidade uma rua chamada Presidente Kennedy. Como diria Nelson Rodrigues, é o exemplo máximo do complexo de vira-latas. John Fitzgerald Kennedy, o JFK, foi um presidente dos Estados Unidos (1961-1963) assassinado em Dallas e 22 de novembro de 1963. Foi sob sua batuta que, há 62 anos anos, em 10 de agosto de 1961, os EUA iniciaram a guerra química no Vietnã, tendo pulverizado 77 milhões de litros de desfolhantes sobre o Vietnã do Sul. Cerca de três milhões de vietnamitas se tornaram vítimas da dioxina, causadora de várias doenças e mutações genéticas. Até hoje, o país asiático tem graves problemas ambientais. Também foi o tal do JFK que invadiu a pequena Cuba à meia noite do dia 17 de abril de 1961, dois navios de desembarque patrocinados pela CIA chegaram à Baia dos Porcos do País Caribenho e, assim como no Vietnam, levaram chumbo.

         Seria interessante saber quem foi o político que teve a infeliz ideia de dar o nome à rua. Já os vereadores que sempre se auto-intitularam progressistas, e que nunca fizeram nada para mudar a vergonha, a gente sabe.

         Outro problema está na Escola Normal. Ela se chamava Escola Whashington Ferreira Pires, um importante político formiguense que no início do século XX foi deputado estadual, deputado federal e Ministro da Saúde. Para deixá-lo no esquecimento, mudaram o nome para Escola Jalcira dos Santos Valadão. Independente de quem foi Dona Jalcira, a melhor professora da minha vida, era para terem arrumado um outro jeito de homenageá-la.

         Grande absurdo é o nome da Praia Popular. O mentor e executor da obra foi o ex-prefeito Ninico Resende, que a batizou de Parque Municipal de Desportos Básicos (PMDB). Aí, veio algum infeliz e colocou o nome de Parque Municipal Doutor Leopoldo Corrêa, um adversário político histórico de Ninico. Doutor Leopoldo, que era da Arena, foi, talvez, o formiguense que mais amou sua terra, mas acho que nem ele gostaria de ver seu nome na entrada da Praia. Ele era inteligente e altruísta demais para aceitar participar de uma afronta.

         E tem também o Centro Infantil Nelson Alvarenga, aquele que fica ao lado da quadra do Bairro do Quinzinho. A creche iria se chamar Centro Infantil Anésia Alvarenga, esposa de Nelson. Acontece que na semana da inauguração, descobriram que há uma lei que impede dar nome de pessoas vivas a estabelecimentos públicos e logradouros. Como Dona Anésia ainda era viva, apagaram seu nome da placa e colocaram o do seu marido.

         A escolha e a insistência do nome Alvarenga é por causa da proximidade com pessoas que se foram de Formiga e ficaram ricas em São Paulo. Se fossem pobres, não dariam nome nem a horta comunitária cercada de arame farpado.