Opinião: Formiga atrás da porta

Lúcia Helena Fiúza (de Palmas-TO)

Opinião: Formiga atrás da porta
Lúcia Helena Fiúza é professora aposentada




Pra quem não conheceu, papai foi Jair Fiúza da Cunha, conhecido na Chapada, na Rua Nova e dentre os funcionários da Rede Ferroviária como Coló. Nasceu em Iguatama em 1920, casou-se com mamãe, Maria Aparecida Gomes, Dona Cidinha, e em 1950 veio morar em Formiga, onde eu, minha irmã Cecília e meu irmão Toninho Maria nascemos.

Dei esse relato porque imagino que era assim que estava em alguma ficha cadastral em alguma entidade de Formiga que identificava nossa família.

Meu pai era um sujeito simples, tinha a perna direita uns dois centímetros menor que a esquerda (o que o salvou de ir para a Segunda Guerra) e era amigo dos ex-prefeitos Ninico e Mariano Silva, mesmo sem nunca se envolver em política.

Moramos em locais hoje nobres, mas, na época, lá pelos anos 1960 e 1970, muito acanhados. De todas as conquistas e progressos da família, um que marcou foi a compra, depois de várias economias, do primeiro carro. Um fusquinha azul 1968. Achávamos que a vida seria outra, e foi. Só de não ter de subir o morro do Colégio Santa Teresinha a pé todo dia já era uma evolução.

Quando vivo, papai comentava que em Formiga havia uma mania no mínimo curiosa, que era o medo que as pessoas tinham, e acho que têm até hoje, de ouvir não a um convite. De fato, alguém ser chamado para um batizado e falar que não vai dar pra ir é muito chato (pra quem convida e para quem é convidado), receber um delicado convite de casamento em papel vegetal e dizer que já tem compromisso é de uma indelicadeza de festa de rodeio. Não ir a churrasco de aniversário não adianta desculpas, nem se o sujeito for vegano (antigamente era vegetariano, mas é quase a mesma coisa).

Quando começou a passear no possante (era assim que chamávamos o fusquinha azul 1968), papai começou a receber olhares diferentes. É incrível, mas passou a ser visto, ele e nossa família, de modo mais respeitável, viramos, em um piscar de olhos, uma família mais interessante.

Se rindo, papai citava três exemplos do quanto ficamos “melhores” e atrativos. Ele contava que um senhor chamado Lélio Pereira da Rocha, que havia acabado de inaugurar uma Loja Maçônica debaixo das arquibancadas do Campo do Formiga, ficou pesquisando se Seu Coló acreditava em Deus; depois de ouvir que era católico, deu dois livros sobre iniciação à Maçonaria para ele. Papai leu atentamente, só que não fez nenhum comentário sobre as obras.

Depois foi a vez de uma das pessoas que meu pai mais admirava, o advogado José Emmanuel Rodarte, o Doutor Juca (minha mãe gostava muito da esposa, Dona Edmée). Ele deu uma aula sobre o Lions lá em casa, falou das obras do clube de serviço e da atenção especial que havia com relação às crianças carentes e desamparadas. Emocionado, papai ouviu atentamente.

Por fim, o professor Carlos Gomide Leite e a sua sempre companheira Dona Benedita foram falar sobre o Rotary. Foi de palpitar o coração ouvir sobre a vitoriosa luta contra a poliomielite em todo o mundo, uma das grandes conquistas da entidade, e das inúmeras obras pelo Brasil. Mamãe chegou a marejar os olhos.

Contatos feitos, contados esquecidos. Nos três casos, papai teve a convicção de que queriam convidá-lo a participar: ou ele seria um maçon, um companheiro leão ou um rotariano, só que uma segunda conversa nunca existiu em nenhum dos casos. Ninguém nunca mais tocou no assunto.

Depois de anos, papai chegou à conclusão de que tanto a Maçonaria, quanto o Lions como o Rotary ficaram esperando que ele demonstrasse interesse para que não existisse o incômodo “não” a um chamado.

Pelo que a gente acha, papai teria aceitado qualquer um dos convites, mas a tradição o formiguense de ficar atrás da porta observando reações e esperando manifestações fizeram com que desanimassem com ele.

Infelizmente, pouco tempo depois, o fusquinha foi vendido.